O chanceler desfila nu
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Nesta terça (9), tornou-se público que o Itamaraty comunicou oficialmente às Nações Unidas a retirada do país do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, alegando ofensa à soberania. O pacto, como bem disse o ex-chanceler Aloysio Nunes, é um mero acordo-quadro (jargão técnico para um acordo sem extenso conteúdo concreto, que estabelece uma estrutura para acordos futuros). Não cria, portanto, nenhuma nova obrigação aos países de receber migrantes que não queiram, e não fere a soberania de ninguém.
Mais: o Brasil não tem uma questão migratória relevante, nem recebe contingentes capazes de provocar um debate sobre a mudança na identidade da nação, como está ocorrendo na Europa. Pelo contrário: no ano que acabou de passar, mais brasileiros migraram para fora do que migrantes chegaram aqui. O povo brasileiro só teria a ganhar com o Pacto, que poderia ajudar a melhorar o tratamento de nossos conterrâneos lá fora. Principalmente, não teria nada a perder, já que o acordo – repito – não cria novas obrigações de receber migrantes.
É quase como uma carta de princípios, com recomendações. Demanda que não sejam realizadas deportações coletivas, nem discriminação na análise de vistos, além de afirmar que a prisão do migrante deveria ser o último recurso. Também solicita que os países busquem garantir saúde, educação e informação a eles. Ou seja, tratar migrantes e refugiados como gente.
Por isso, muitos avaliam que o aconselhamento do chanceler junto ao presidente não tem sido dos melhores. Basta ver o que Jair Bolsonaro postou em suas redes sociais nesta quarta (9): "O Brasil é soberano para decidir se aceita ou não migrantes. Quem porventura vier para cá deverá estar sujeito às nossas leis, regras e costumes, bem como deverá cantar nosso hino e respeitar nossa cultura. Não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros. Não ao Pacto Migratório". O misto de obviedades e elementos folclóricos mostra uma profunda ignorância quanto à natureza não vinculante do acordo. E de quem ganha e quem perde com isso. Particularmente, prefiro imigrantes que gerem riqueza, paguem impostos e sigam as leis, até porque nem os próprios brasileiros sabem cantar corretamente o hino de seu país.
Mais de 3 milhões de brasileiros moram fora do país, de acordo com o Itamaraty, enquanto 750 mil estrangeiros vivem por aqui – números da Polícia Federal. Temos menos de 0,4% de nossa população composta por estrangeiros, enquanto a média mundial é 3,4%, o que mostra que a paranoia é infundada.
Um dado importante: dos 127.778 mil venezuelanos que ingressaram no Brasil entre 2017 e julho de 2018 pela principal porta de entrada, Pacaraima (RR), 68.968 já deixaram o país – os dados também são da Polícia Federal. A crise econômica brasileira também espantou muitos trabalhadores estrangeiros. Em suma, mesmo com as últimas ondas de migração de venezuelanos e haitianos, ainda assim o número de pessoas que hospedamos é menor do que a de nossos hóspedes lá fora.
O Brasil perde ao sair do pacto o respeito de seus pares, o que pode influenciar, inclusive, no relacionamento diplomático e comercial. E não ganha nada com isso, pois muito mais brasileiros ganhariam com o pacto lá fora do que estrangeiros em nosso país.
Ernesto fala na "vontade soberana do povo brasileiro", mas o que fez ao sair do Pacto foi associar-se a uma agenda da extrema direita europeia irrelevante para a qualidade de vida de nós, brasileiros, de qualquer orientação ideológica. Sair do Pacto Global, infelizmente, é só a mais recente prova de despreparo daquele que Bolsonaro nomeou como chanceler para colocar em prática sua visão conservadora de mundo. Vale recordar algumas:
Ernesto faz discurso-salada mista em que mistura tupi, bíblia e Renato Russo em sua posse, mas não é capaz de traçar um único direcionamento concreto para as questões reais de política externa brasileira.
Ernesto fala em soberania, mas passa vergonha ao propor ao seu chefe a instalação de uma base dos EUA no Brasil – proposta da qual, graças ao bom senso de militares brasileiros, o seu chefe já teve que recuar.
Ernesto fala em combater a Venezuela, mas seus discursos inflamados e desconvites trapalhões só têm ajudado o governo autoritário de Nicolás Maduro a se manter e jogar para a própria plateia.
Ernesto fala em renovar a política externa, mas não traz uma só proposta que vá além de más interpretações de filósofos e pensadores, conceitos idealistas abstratos, algo ligados a um pensamento mágico, e inúteis erudições.
Ernesto fala em fazer comércio e promoção comercial com o mundo, mas nomeou para a Agência de Promoção de Exportações uma pessoa sem currículo, que está sendo questionada por seus pares por não dominar devidamente o inglês.
Ernesto pretende capitalizar a relação com os EUA, mas fracassou quando chefiou o departamento de Estados Unidos do Itamaraty. Durante sua gestão, o Brasil foi esnobado pelos EUA em visitas de Estado e sabotado em suas tentativas de entrar no clube de países ricos da OCDE.
Ernesto diz que defende a liberdade de expressão e opinião, mas já mandou dispensar auxiliares próximos, antes mesmo de começarem, apenas por discordarem dele em privado.
Ernesto quer representar "a vontade sagrada do povo brasileiro". Talvez se creia um ungido, mas, na prática, é um burocrata um tanto quanto delirante, com ideias importadas via internet do submundo da extrema-direita norte-americana e europeia e um bom faro para o oportunismo. Por infeliz sequência de eventos, essa pessoa assumiu uma função de suma importância para a qual está completamente despreparada.
O resultado não poderia ser outro: não se passaram dez dias e Ernesto já está nu. Mais do que chanceler, ele entretém a corte de Bolsonaro.
Como pretendente a ideólogo da extrema-direita católica, ele talvez ainda encontre redenção, quem sabe até um futuro promissor. Mas como gestor, primeiro diplomata da nação e ministro das relações exteriores, ele representa um desastre esperando para acontecer.
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