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http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/03/10/o-valor-da-natureza/
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O valor da natureza
Palestras do Ciclo de Conferências defendem a importância dos serviços ecossistêmicos associados à biodiversidade
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição 217 - Março de 2014
Em tempos de mudanças climáticas, princípios ecológicos antes deixados de lado parecem ganhar força, marcando presença em discussões políticas de planejamento econômico para um plano estratégico de desenvolvimento sustentável. “Talvez o melhor exemplo desse avanço em relação às discussões sobre conservação ambiental seja a criação – um tanto atrasada, vale dizer – da Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos pela Organização das Nações Unidas em 2012”, destacou Carlos Joly, coordenador do programa Biota-FAPESP durante sua fala na abertura da temporada 2014 do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação no dia 20 de fevereiro, em São Paulo. Segundo Joly, a plataforma, conhecida pela sigla em inglês Ipbes, será responsável pela difícil tarefa de fazer com que o conhecimento científico produzido sobre a biodiversidade em todo o mundo seja reunido e sistematizado com o objetivo de subsidiar decisões políticas e econômicas em nível internacional, “nos mesmos moldes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC”, completou.
As mudanças na percepção dos agentes políticos sobre a importância da conservação ambiental, contudo, se deram de forma lenta, a partir do século XIX, segundo a bióloga Rozely Ferreira dos Santos, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), começando a ganhar corpo com os estudos que procuraram valorizar as funções ecossistêmicas sob a premissa de que as atividades econômicas e o bem-estar humano seriam dependentes dos serviços naturais por elas geradas, como a produção de oxigênio, alimento e água potável. Por décadas essas ideias foram discutidas, reformuladas e criticadas – “os animais, as plantas e os ecossistemas têm um valor em si mesmos, independentemente da utilidade que possam representar para o homem”, diria o ambientalista norte-americano Aldo Leopold. De qualquer forma, até a década de 1990, “os processos de produção econômica sempre superavam a discussão da conservação ambiental”, disse Rozely durante sua palestra, em que apresentou um apanhado histórico de estudos conduzidos por economistas e ambientalistas na busca por definições objetivas e integradas sobre o tema.
Segundo ela, por anos esses grupos discordaram em relação a conceitos como o de funções ambientais e serviços naturais, entre outros, sendo incapazes de entendê-los como princípios unificadores dos interesses de ambas as partes. Esse conflito foi se amenizando à medida que se passou a entender os bens e serviços ecossistêmicos como sistemas de suporte não só à vida, mas também à economia. Estudos publicados em meados de 1990, por exemplo, estimaram o valor dos serviços ecossistêmicos no mundo em US$ 33 trilhões, dos quais US$ 20,9 trilhões são bens e serviços associados aos ambientes marinhos e costeiros. “Percebemos que os processos oceanográficos estavam atrelados a serviços que precisávamos começar a entender”, disse o biólogo Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP e um dos palestrantes convidados.
Baía do AraçáDesde 2012, Turra participa da coordenação de um projeto temático no âmbito do programa Biota-FAPESP com o objetivo de compilar – ainda que preliminarmente – e descrever a biodiversidade da baía do Araçá, no município de São Sebastião, litoral de São Paulo, também apresentando alternativas à intervenção do ser humano no funcionamento desse ambiente e, inclusive, estimulando iniciativas que tentem reverter o atual quadro de degradação ambiental. “Queremos integrar diferentes áreas do conhecimento ambiental, físico, biológico e social para estudos em biodiversidade, conservação e gestão marinha”, explicou. Segundo ele, a ideia é tentar conciliar o estilo de vida local com a conservação ambiental. Um desafio e tanto, ele reconhece, “que requer mudanças culturais profundas na sociedade”.
A enseada do Araçá é uma área limitada por flancos rochosos que abrange quatro praias – Deodato, Pernambuco, Germano e Topo – e duas ilhas – Pernambuco e Pedroso – entre Ilhabela e São Sebastião. Devido à proximidade com a malha urbana, esse conjunto de pequenas praias, costões rochosos, bancos arenosos e lamosos vem há anos sendo exposto a diferentes tipos de ações antrópicas, como ocupações irregulares, efluentes de esgoto doméstico e vazamentos de óleo, por conta da proximidade do porto de São Sebastião e do terminal aquaviário da Petrobras.
Mesmo assim, o ambiente parece resistir à interferência humana. A baía do Araçá mantém hoje um dos últimos remanescentes de manguezal do litoral de São Sebastião. Segundo Turra, esses ecossistemas são importantes para a manutenção da vida marinha. Além disso, a capacidade dos manguezais de absorverem carbono da atmosfera e estocá-lo aumentou sua importância diante das alterações climáticas (verPesquisa FAPESP nº 216). O Araçá abriga uma alta diversidade biológica. Por lá, a biodiversidade conhecida alcança 733 espécies, das quais 34 foram descritas como novas para a ciência, além de ser reduto de pescadores artesanais, que usam pequenas canoas caiçaras para capturar peixes e crustáceos. “Mas tão importante quanto identificar essa riqueza biológica é entender a importância dessa diversidade e quais serviços estão associados a ela”, disse o biólogo.
Com pouco mais de dois anos de projeto, Turra e seus colaboradores ainda tentam entender como os habitantes dessa região enxergam o Araçá. Com base em entrevistas, eles observaram que a população parece compreender a importância desse ambiente para o suporte à vida, à economia e também à manutenção de sua identidade e herança cultural. Com base nessas entrevistas e outros dados, os pesquisadores sistematizaram os bens e serviços marinhos providos pela biodiversidade marinha daquela região. “A baía do Araçá oferece ao homem serviços ambientais, culturais e econômicos importantes, que variam da provisão de alimento e matéria-prima à regulação climática – via sequestro de dióxido de carbono (CO2) – e ciclagem de nutrientes”, sintetizou.
O grupo de Turra também vem desenvolvendo iniciativas a fim de aproximar diferentes atores sociais para uma discussão em vários setores, “como professores de ensino fundamental e médio, que podem trabalhar a lógica dos serviços ecossistêmicos e da valoração dos benefícios ambientais com seus alunos”, disse. Segundo ele, os serviços ecossistêmicos normalmente não são reconhecidos nas tomadas de decisões. Daí a importância de mostrar quão valiosos eles são e formular mecanismos que possam capturar de fato seus valores.
Uma tarefa não muito fácil, a julgar pela própria dificuldade em estabelecer um conceito único para o termo “serviços ecossistêmicos”. Para Rozely Ferreira dos Santos, à medida que diferentes autores foram ao longo dos anos trabalhando separadamente, foi-se ampliando o conjunto de definições atribuídas a esses serviços. “Ora os serviços são condições e processos, ora são funções ecossistêmicas, em outras situações são produtos de funções ecológicas”, disse. Para ela, a definição é simples: as paisagens abrigam estruturas e processos ligados a funções (como as populações de peixes) que fornecem serviços (estoques de peixes), os quais devem ser trabalhados dentro de um contexto sociocultural, a partir de seus benefícios. Segundo a bióloga, a valoração desses serviços deve começar nas estruturas e nos processos que determinam as funções.
Conceito indefinidoEm 2010, um projeto de lei que dispõe sobre a Política Estadual de Mudanças Climáticas no estado de São Paulo foi além e definiu os serviços ecossistêmicos como benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas e os serviços ambientais como os serviços ecossistêmicos que resultam em impactos positivos para além da área onde são gerados. Para Rosely, a lei acrescentou ao debate um conceito de serviços ambientais que poucos autores usam. “O problema é que mal se consolidou um conceito e já estão criando outros, aplicando-os na forma de lei. Isso pode comprometer uma abordagem de valoração integrada, em que tanto aspectos ecológicos quanto sociais e econômicos são considerados na avaliação das interfaces existentes entre serviços ecossistêmicos, sistema econômico e bem-estar social.
O Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação é uma iniciativa do programa Biota-FAPESP, em parceria com a revista Pesquisa FAPESP. Em 2014, as palestras terão como foco os serviços ecossistêmicos (ver programação), complementando as palestras de 2013 sobre os principais ecossistemas brasileiros. De acordo com Carlos Joly, os conceitos desse debate ainda não estão completamente definidos, mas em evolução, “se fazendo cada vez mais presentes nas discussões sobre conservação, estratégias e políticas”, concluiu.
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