Thursday, 1 May 2014

Oswald, pré-modernista: por “pintura nacional”

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Oswald, pré-modernista: por “pintura nacional”

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Em 1915, Oswald apontava Almeida Júnior – que pintou tipos e paisagens brasileiras distanciando-se das idealizações românticas – como exemplo a considerar
Anos antes do Manifesto Pau-Brasil, escritor já zomba de artistas que “tomam-se de 140426-SeloOswaldpavor diante da nossa natureza tropical e virgem”
Por Oswald de Andrade | Imagem: Almeida JúniorO derrubador brasileiro (1879)
Estamos em 1915. Mário da Silva Brito, certamente um dos mais sensíveis historiadores da experiência cultural do modernismo, nos informa o seguinte: naquele mesmo ano, as “palavras ‘futurismo’, “futurista’, de grande circulação pelo mundo, já assinalavam sua presença no Brasil”.1
E é Oswald de Andrade, ainda em 1912, o “primeiro importador do ‘futurismo’, de que tivera notícia no Velho Mundo”,2 por conta de sua primeira viagem à Europa. 
Mas, cuidado. Conforme podemos observar no texto que se irá ler, Oswald nutria um forte desejo de “atualizar as letras nacionais”, sem, contudo, renegar o sentimento brasileiro.
Esses dados precisam ser observados mais de perto.
E tem mais coisa.
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De fato, futurismo seria um conceito que os modernistas abririam mão. Mas isso seria bem mais tarde.
Naquele ano de 1915, no “conservador jornal O Estado de São Paulo”, um colaborador italiano, Ernesto Bertarelli, “analisando as ‘Lições Futuristas’”, afirmaria que se estava em face de um “movimento lógico e benéfico”.
Ora, em se tratando de transformação cultural, as coisas não soam tão simples.
Nesse sentido, importa registrar que, curiosamente, esse mesmo jornal, dois anos depois, em 1917, servirá como um dos palcos de uma polêmica envolvendo Monteiro Lobato e a pintora Anita Malfatti. Nela o escritor afirma de modo contundente, por vezes agressivo, o seu profundo desprezo pelas vanguardas e pela obra da artista.
resposta não tardaria. Em menos de um mês, num outro veículo, Jornal do Comércio,Oswald de Andrade se pronunciaria favoravelmente ao trabalho da artista. 
Por esse nosso lado, vale a pena saber que, ainda em 1915, Oswald de Andrade estará à frente do jornal O Pirralho.3
Segundo o nosso historiador, trata-se de uma “revista tumultuária e polêmica”.4
E será exatamente nessa publicação que Oswald irá desenhar a sua concepção de uma pintura nacional, colocando-se contrário a um academicismo colonizado e tacanho.
Vamos a ela. (Theotonio de Paiva)
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Em prol de uma pintura nacional
Por Oswald de Andrade
Agita-se em São Paulo um movimento desusado de artistas pintores. São os nossos pensionistas do Estado que a guerra obrigou a deixar a vida pitoresca dos ateliers e dosquartiers, a despreocupada existência de estudantes ricos, a quem não falta socorro mensal do que faria a alegria e o consolo de duas famílias inteiras.
A gente os vê por aí, diferentes dos outros, alguns escandalosamente diferentes procurando recompor a decaída visão do artista cabeludo.
Esperam, sem dúvida, melhora de tempo financeiro, estiada na crise, para expor o que fizeram e mostrar que não perderam tempo.
Não seria de todo fora de hora conversar-se um bocadinho sobre a nossa pintura, sobre o pensionato que o Estado tem mantido e sobre os proveitos que podem dele derivar.
Creio que a questão da possibilidade de uma pintura nacional foi em São Paulo mesmo resolvida por Almeida Júnior5, que se pode muito bem adotar como precursor, encaminhador e modelo.
Os seus quadros, se bem que não tragam a marca duma personalidade genial, estupenda, fora de crítica, são ainda o que podemos apresentar de mais nosso como exemplo de cultura aproveitada e arte ensaiada.
É assim que vemos nele posta em quadros que ficaram célebres a tendência do tipo nosso, em paisagem, em estudos isolados de figura ou composições históricas de grupos.
É natural, no entanto, que se desviem desse caminho os nossos moços, que cheios dum sonho confuso de Arte com maiúscula desembarcaram uma manhã numa gare rumorosa de Paris, para estudar por conta do governo.
Vêm a princípio as sugestões da vida ao redor, os passeios desconfiados para conhecer a cidade, todo o romance da escolha do atelier envidraçado, com porteiras patuscas e galantes meninas por personagens, enfim, a primeira crise romântica de se sentir artista, influindo muito a vastidão do quarto boêmio, o aparelho todo do métier e o cheiro de terebentina.
Depois inicia-se a vida de trabalho necessário para corresponder à confiança da mesada. Vêm então as primeiras camaradagens de quartier e de academia, a comovida escolha do primeiro modelo, a primeira pose… E segue-se todo um natural entusiasmo pela arte de lá, pelo meio de lá, pela vida de lá, pela paisagem de lá.
De modo tal que se dissolve quase geralmente o que podia haver de personalidade nossa no tipo.
E, quando nos volta ele, não raro de dégoûte da nossa pobre vida burguesa e financeira e do nosso pudor, cuja aparência de rispidez herda dos primeiros jesuítas coloniais.
Diante da paisagem o nosso homem choca-se então positivamente: – Oh! Isto não é paisagem! Que horror, olhe aquele maço de coqueiros quebrando a linha de conjunto!
Não percebe ele da paisagem senão a noção polida e calma. E porque se impressionou nas suas vilegiaturas pela França, onde o contato secular da terra com o homem fez tudo cultivado, reduzido à expressão complacente, ajardinado por assim dizer, ei-lo tomando-se de pavor diante da nossa natureza tropical e virgem que exprime luta, força desordenada e vitória contra o mirrado inseto que o quer possuir.
No entanto, daí quanta sugestão exuberante, violentamente emotiva, não poderia dar a temperamentos de escolha a chance de criar uma grande escola de pintura nacional.
Porque não nos faltam os mais variados modelos de cenário, os mais diversos tons de paleta, os mais expressivos tipos de vida trágica e opulenta do nosso vasto hinterland.
Que se convença eles, os nossos futuros pintores, de que não precisamos emprestar a vida própria a cada arte de país europeu para termos uma arte também.
Pelo contrário, esforço deve haver para que, depois dos anos de aprendizagem técnica que o governo lhes concede, eles se desembaracem das recordações de motivos picturais que tiveram, das sugestões de arte local que sofreram.
E, incorporados ao nosso meio, à nossa vida, é dever deles tirar dos recursos imensos do país, dos tesouros de cor, de luz, de bastidores que os circundam a arte nossa que se afirme, ao lado do nosso intenso trabalho material de construção de cidades e desbravamento de terras, uma manifestação superior de nacionalidade.
[Publicado na seção “Lanterna Mágica”
de “O Pirralho”, 2/1/1915]
1 Brito, Mario da Silva. “A Revolução Modernista”. In: Coutinho, Afrânio (direção); Coutinho, Eduardo (co-direção). A literatura no Brasil. 7ª. ed., v. 5, São Paulo: Global, 2004, p. 5.
2 Idem, p. 4.
3 “Foi o semanário paulista O pirralho, que fundei e dirigi sob a égide financeira de meu pai. Mamãe, com sua imaginação amazônica, pôs lenha na fogueira. Tendo um caricaturista de primeira ordem, Voltolino, e ligando-me a um grupo de literatos lancei o semanário com êxito. O pirralho teve sua redação à Rua 15 de Novembro, 50-B, sobrado. Era uma simples sala ao fundo de um corredor, para onde minha mãe fizera transferir uma escrivaninha, um sofá e parte das cadeiras de casa. Em torno do Pirralho, juntou-se uma súcia de poetas, escritores e jornalistas improvisados…” Andrade, Oswald. Um homem sem profissão. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 53.
4 Brito, 2004, p. 5.
5 José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1889) foi aluno da Academia Imperial de Belas-Artes, discípulo de Vítor Meireles e bolsista do imperador em Paris.

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