Saturday, 31 May 2014

Em busca dos Sacís do Boal

carta maior
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cultura/Em-busca-dos-Sacis-do-Boal/39/31052


Em busca dos Sacís do Boal

Os Sacís sumiram. Às vezes têm-se notícias de que alguma estatueta apareceu à venda em leilão. Vários atores conseguiram recuperar os premios. Boal, não.


Léa Maria Aarão Reis
Instituto Boal
Agosto de 1968. Data emblemática que deixava o mundo em suspenso, de pernas para o ar. Nas ruas de Paris o chienlit coroava a nova maneira de viver a contracultura: sonhar com o impossível, proibir o proibido. Manifestações de rua contra o sistema se multiplicavam em diversos lugares. Desde junho, em Praga, Dubcek preparava a primavera da então Tchecoslováquia – meses depois abortada. Os americanos percebiam, com algum estupor, que, desde janeiro, com a histórica ofensiva do Tet, começavam a perder a guerra do Vietnã. 

No Brasil a atmosfera era sombria. Quatro Atos autoritários tinham sido baixados pelos militares e o famigerado quinto viria quatro meses mais tarde, em dezembro. Aqui, imperava o medo que pouco mais tarde se transformaria em terror com a ditadura civil-militar instalada. Em São Paulo a classe teatral reagia e corajosamente resistia à censura e à violência. Um grupo de paramilitares invadira o palco de Roda Viva e surrara as atrizes do elenco da peça de Chico Buarque dirigida por José Celso. Bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas nas salas de vários teatros. No Arena a atriz Norma Bengell era raptada por soldados do Exército ao sair de cena e só seria liberada dias depois, no Rio de Janeiro.

Muitos outros episódios como estes são lembrados no irônico livro de memórias póstumas "imaginadas", no dizer do autor, Augusto Boal, lançado este ano. Em 'O filho do padeiro', o mestre do Teatro do Oprimido pinta, em narrativa humorada, irônica e absorvente, o ambiente dos tempos em que o país viveu sob o golpe contra o governo de Jango que se abatera quatro anos antes – mas que fora construído durante os dez anos anteriores.
"1960 foi o começo," escreve Boal. "O pior viria." Ele lembra que "muitos líderes foram mortos. O desejo de liberdade era tão grande, sincero (...) Torturados, assassinados a sangue-frio. Mortos em combate, diziam as Forças Armadas."

Mas há um episódio relatado em suas memórias bem real. Nada de imaginado. Atualmente, a família de Boal, falecido em 2009, se mobiliza sobre esse assunto com o objetivo de tornar mais rico ainda o acervo do legado deixado pelo teatrólogo para que as gerações futuras possam estudar e pesquisar o Teatro do Oprimido.  "O acervo deverá guardar todos os premios e todos os objetos do Boal," diz Cecília Thumin, psicanalista e presidente do Instituto Augusto Boal, viúva do teatrólogo. Hoje, o Instituto, pessoa jurídica, funciona por enquanto informalmente na sua residência e no seu consultório, no Rio.

Há tempos Cecília procura encontrar o paradeiro de duas estatuetas – "minhas estatuazinhas" como chamava Boal as peças em bronze criadas pelo escultor Victor Brecheret com a figura do personagem de Monteiro Lobato. Eram Sacís ganhos pelo marido, em 68, recusados e jogados fora por ele e dezenas de companheiros da classe teatral igualmente contemplados pelo mais prestigioso premio instituído pelo jornal Estado de São Paulo desde os anos 50, originalmente para os que se distinguiam no cinema brasileiro. 

Cacilda Becker estava no grupo. Tempos depois inclusive comentou que tinha devolvido os seus Sacís "com muita dor." Os premios haviam sido criados e escolhidos por um dos mais eruditos críticos de teatro do país, intelectual de estirpe, Decio de Almeida Prado, que assinava no Estadão. Logo após a devolução/protesto coletivo, Almeida Prado, um socialista na juventude e admirador da obra de Boal, se aposentou. Não concordava, é claro, com a censura e não podia se alinhar com o jornal que publicara pouco antes um editorial simpático à causa da lei do ferrolho. Encerrava-se em 68 a carreira dos Sacís e de Almeida Prado.

No relato do seu livro Boal é discreto. Com a graça que sempre foi uma característica marcante ele escreve: "Um escritor, que jamais havia sido premiado, propôs que devolvessemos os prêmios que havíamos recebido de um jornal paulistano. Tratava-se de premio prestigioso, o Sací, espécie de Oscar, Tony ou Obie* nativo. Devolver representava tapa na cara do jornal, mas causaria também certa dor nostálgica nos premiados."

Na assembléia da classe onde se decidiria sobre a devolução, continua Boal, "a maioria dos assembleistas (sic), não premiada, gritava ensandecida, pedindo que  as lindas estatuetas de Brecheret fosse jogadas no chão do hall do jornal. Bofetada e pontapé."

Boal, o ator Antonio Pedro e muitos outros companheiros foram contra. Achavam que devolver era decisão pessoal de cada um.  A votação foi feita e às quatro e meia da manhã, "eu, rouco, afônico", registra o autor, "Antonio Pedro na presidência, fez-se a votação: ganhou o bota-fora!"

"O jornal foi tomado pela polícia. Chegamos, cada premiado com seus premios, eu com minhas duas estatuazinhas tão bonitinhas. Não nos deixaram entrar. Decidiu a maioria que jogássemos as estátuas nos jardins do jornal."

Conclusão: durante as décadas seguintes o Estado de São Paulo só se referia a Augusto Boal como aboal. Proibia para sempre que seu nome fosse publicado por extenso, no jornal! Vingança sórdida de quem achava que ele era o instigador da devolução/protesto. Não era. Mas permaneceu de castigo, condenado ao gelo como costuma fazer a velha mídia quando empaca com algum desafeto. "Sobreviveu", como escreve brincando. "Na época", ele fecha assim o capítulo: "a assinatura aboal' doeu." Hoje, o seu nome há muito está restituído.

Mas os Sacís que eram seus sumiram. Às vezes têm-se notícias de que alguma estatueta apareceu à venda em leilão. Vários atores conseguiram recuperar os premios. Boal, não. Teve que se exilar menos de um ano depois do sucedido e só voltou ao Brasil  mais de dez anos depois.

Cecília e o Instituto criado com os filhos em homenagem a um dos mais brilhantes homens do teatro brasileiro, conhecido, respeitado, reconhecido e venerado não apenas pelas legiões de fieis amigos brasileiros, mas também pela tribo do Teatro no mundo inteiro - o carioca Augusto Boal%u20B filho de padeiro do bairro da Penha, no Rio de Janeiro -, procuram as suas "estatuazinhas". Tentam achá-las através de alguma informação ou de alguém por cujas mãos elas tenham passado.

Será mais uma ação de restabelecimento da realidade até aqui escamoteada, dos anos de chumbo. Um episódio que, apesar da graça com que Boal conta a passagem, no seu livro, é mais um descalabro ocorrido naqueles tempos sinistros.
 
Basta fazer contato com o contact@instboal.org.
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* Premios do teatro off-Broadway.


Créditos da foto: Instituto Boal

O outro Jesus. Entrevista com Reza Aslan

ihu
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526448


O outro Jesus. Entrevista com Reza Aslan

Fim de julho, estúdios da Fox NewsLauren Verde, um dos rostos mais conhecidos da televisão, persegue um homem de ar desarmado e de voz tranquila. Ela pergunta: "Por que um muçulmano escreve um livro sobre Jesus?". Ele, um pouco surpreso: "É o meu trabalho, eu sou professor, um estudioso das religiões". Mas ela, de novo, sem ouvi-lo, como um disco riscado: "Sim, ok, mas por que você se interessou pelo fundador do cristianismo?". Assim, durante dez infinitos minutos, que são o manifesto perfeito de uma divisão cultural, da total incapacidade de se comunicar. O vídeo "da pior entrevista jamais vista", como agora ela é definida, que se tornou viral na internet, causando frisson em talk shows e em jornais [assista abaixo o vídeo, em inglês].
A reportagem é de Massimo Vincenzi, publicada no jornal La Repubblica, 03-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele se chama Reza Aslan, 41 anos, e leciona na Universidade da Califórnia. Escritor e jornalista nascido no Irã, chegou aosEstados Unidos com a família depois da revolução deKhomeini. O livro no banco dos réus foi publicado na Itáliaagora com o título Gesù il ribelle (Rizzoli) e nos EUA ele domina as listas dos mais vendidos há meses, começando pela do New York Times, que se levantou em defesa do autor.
A ideia é de contar a figura de Cristo, separando a verdade histórica do mito posterior. Uma operação amplamente explorada por outros no passado, mas convincente, com uma narrativa fluida, sem nunca ferir a sensibilidade do leitor, mesmo o mais religioso. Não há provocação, não há sarcasmo, mas apenas a vontade de entender.
Eis a entrevista.
Imagino que você esteja enfadado, mas é preciso começar pela entrevista cult na Fox News. Como foi?
Também foi minha culpa, eu devia esperar por isso: aquela rede de TV construiu o seu sucesso sobre posições muito conservadoras e radicais: o medo do Islã é uma das suas marcas registradas. Mas o que me impressionou foi a maneira inexorável com que eu fui atacado. A apresentadora nunca fala do livro, eu nunca consigo expor as minhas teses: elas não lhe interessam, ela só quer me colocar em apuros, expor-me ao ridículo. E é o mesmo modo com que eu sou agredido nas redes sociais: ninguém nunca entra no mérito das minhas ideias. Só insultos baseados em estereótipos.
Os Estados Unidos viveram o 11 de setembro. Desde então, para os muçulmanos, tudo foi mais complicado. Qual é a situação agora? Ainda há muita intolerância?
Eu não acho que o problema deriva dos atentados às Torres Gêmeas: eles são um fato. Era até natural que houvesse ressentimento e desconfiança. O pior veio depois, por volta de 2004-2005, quando políticos, empresários, escritores, pregadores começaram a financiar a indústria da islamofobia porque descobriram que ela paga em termos de popularidade. É mais fácil falar aos medos das pessoas do que à sua inteligência, mas, depois, reconstruir a convivência torna-se complicado.
Por que, como estudioso, você optou por se ocupar de Jesus Cristo, sobre o qual já há uma vasta produção literária?
É a pessoa mais importante dos últimos 2 mil anos, está na base da civilização ocidental. Eu queria separar a sua realidade histórica do mito religioso, que é posterior. Eu queria explicar como um agricultor pobre e analfabeto conseguiu fundar um movimento revolucionário em defesa dos deserdados e dos marginalizados, chegando a desafiar de maneira direta o poder romano e das hierarquias judaicas. Interessava-me imergir Cristo na sua época, ver as suas ações relacionadas com os eventos daquele período: ações e reações. Porque, se pensarmos na sua dimensão religiosa, é óbvio que não existe o tempo, as suas palavras e as suas ações são eternas, valem sempre e para sempre. Eu queria contar o homem, não Deus.
Como você trabalhou?
Eu comecei as pesquisas há 20 anos: primeiro como estudante e depois como professor. Usei as fontes diretas da época, traduzi as versões originais do Novo Testamento: me movimentei segundo os critérios científicos que geralmente usamos na universidade para qualquer pesquisa. Depois, coloquei tudo o que eu encontrei no relato, tentando fascinar o leitor, levá-lo para dentro da fantástica vida de Jesus. Mas cada linha que eu escrevi está documentada.
Que relação você tem com a religião?
Eu a estudo desde sempre, é a minha vida. Eu acredito em Deus, o propósito das religiões é fornecer uma linguagem para ajudar as pessoas a definir a própria fé. Depois de ter sido educado no cristianismo, agora me sinto mais próximo de Islã. Eu não acho que seja mais justo ou que anuncie verdades mais fortes, simplesmente sinto os seus mitos e as suas metáforas mais em concordância com o meu mundo.
Você nasceu no Irã. Como foi crescer nos Estados Unidos?
Cheguei no meio do confronto com Teerã: a época dos reféns, das tensões, e aqui havia muitas pessoas hostis aos iranianos. Eu, como é óbvio, assim como fazem todas as crianças, tentei me integrar o máximo possível ao novo ambiente, eu queria ser 100% norte-americano e por isso me esqueci das minhas origens: na escola, eu fingia que era mexicano para ser aceito pelos colegas de aula. Depois, logo após a faculdade, comecei a redescobrir a minha cultura e recuperei o passado.
O que você pensa do acordo nuclear?
É uma novidade muito boa. Eu acho que é o primeiro passo para uma reviravolta muito importante. Se conseguirmos levá-lo adiante, ele poderia abrir uma nova era nas relações entre os EUA e o Irã e assim, finalmente, trazer um pouco de paz ao Oriente Médio.
Você acompanha a ação do Papa Francisco?
Certamente, sou um entusiasta. Fui formado pelos jesuítas, e o método que eles me ensinaram me levou a me apaixonar pelo Jesus histórico, antes ainda do que o religioso. O meu livro está alinhado com a sua formação: ele relata um Cristo atento principalmente aos pobres, à sua libertação, à sua salvação. Se o papa conseguir, como está conseguindo, se manter fiel às suas origens, ele trará à Igreja uma transformação nunca antes vista. É o retorno a uma vida sob o sinal da vocação, longe da burocracia do poder: o seu exemplo será revolucionário. Eu tenho certeza disso.
Você já está trabalhando em um novo livro?
Eu gostaria de escrever sobre as origens de Deus, sobre como evoluiu a sua figura ao longo da história da humanidade, como mudou a concepção que os homens têm dele.
Você irá à Fox para apresentá-lo?
Com certeza. Na sua opinião, eles vão me convidar?
* * *
Passou-se quase uma hora. Mas, antes da despedida, como para responder a uma pergunta nunca feita, ele acrescenta: "A minha mãe é cristã, assim como minha esposa e o meu irmão. Aos 15 anos, depois de ter me deparado com Jesusouvindo a sua história em um acampamento de férias, eu fiquei tão extasiado saí pelas ruas parando os desconhecidos, narrando-lhes a boa notícia: tipo um jovem pregador. Achavam que eu era louco. Os meus pais se preocupavam. Eu nunca poderia escrever um livro contra os meus valores, contra as pessoas que eu amo e nas quais eu acredito. Eu só queria entender. Só entender.
Assista abaixo à entrevista concedida por Aslan à Fox News:

PARA LER MAIS:


  • 14/08/2013 - Um muçulmano conta a história de um Jesus rebelde
  • 29/11/2013 - Não vim trazer a paz, mas a espada




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    ENTREVISTA (TRADUZIDA)

    http://youtu.be/gi2-vC1zngo

    Friday, 30 May 2014

    Sesc faz exposição fotográfica sobre feitura da canoa

    UFMT
    http://www.ufmt.br/ufmt/site/index.php/noticia/visualizar/16470/Cuiaba

    Sesc faz exposição fotográfica sobre feitura da canoa

    Publicado em Notícias | 30/05/2014

    “No nascimento há morte: a feitura da canoa pantaneira” é o nome da nova exposição de fotografias do Sesc Arsenal, com obras do fotógrafo João Quadros, estudante secundarista que foi um dos pesquisadores mirins do Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gepea) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). As fotos foram tiradas por João no ano de 2011, no distrito de Joselândia, município de Barão de Melgaço.
    João conta que teve envolvimento com o grupo de pesquisa desde muito cedo, porque os professores já eram amigos de sua mãe, e em 2010 ele recebeu o convite da professora Michele Sato, do Instituto de Educação (IE), para integrar o grupo como pesquisador mirim e realizar uma pesquisa fotográfica sobre as águas na perspectiva da Educação Ambiental.
    A professora Michele relata que este envolvimento desde cedo com a formação cientifica é de extrema importância, uma vez que quando os pesquisadores mirins entram para a universidade, potencializam todo o conhecimento e bagagem que já adquiriram nas viagens de campo. Acrescenta que em momentos como esse o orgulho por orientar estes pesquisadores mirins só aumenta. Imara Quadros, doutora em Educação, orientada pela professora Michele e mãe de João, relata que uma oportunidade destas é enriquecedora para os pesquisadores mirins, assim como possibilita que a universidade leve esta formação cientifica para além de seus muros.
    Interesse precoce
    O interesse de João pela fotografia começou aos 10 anos, quando se inspirou nos trabalhos de fotógrafos como Mário Friedlander e José Medeiros. Ele relata que acabou se encantando pela fotografia “pelo fato de você conseguir, de alguma maneira, parar no tempo, um certo momento que você acha bonito”. Aos 17 anos, já possui trabalhos ligados à natureza, cultura popular, fotografia documental, jornalística e publicitária.
    A exposição retrata o processo de produção da canoa, a partir do tronco da árvore Cambará. As imagens podem ser encontradas no hall de entrada e nas varandas do Sesc. “A ideia é aproximar o visitante de tentar encontrar esse quebra-cabeça que é o processo de montagem da canoa”, explica Jan Moura, coordenador de cultura do Sesc, ao relatar que as fotografias estão expostas desta maneira para interagirem mais com o público.
    Além da exposição, o grupo voltou recentemente a Joselândia para produzir um documentário sobre a feitura da canoa, e esperam que um livro sobre isso possa sair, assim como têm a intenção de transformar a canoa em um patrimônio imaterial. João conta que eles pretendem voltar à comunidade para fazer uma exposição fixa com as fotografias, como uma forma de retribuição. “A comunidade nos deu esse ensinamento”, acrescenta.
    A exposição, que já foi realizada anteriormente no Sesc, começou nesta quinta-feira (29) e irá até o dia 13 de julho. De terça a sexta-feira, ela poderá ser vista das 08h às 21h, e aos sábados, domingos e feriados, das 16h às 20h. 

    Exposição "No nascimento há morte: a feitura da canoa pantaneira" por João Quadros.

    ACONTECE no SESC Arsenal (Cuiabá, MT), a abertura da Exposição "No nascimento há morte: a feitura da canoa pantaneira" por João Quadros.


    ABERTURA DIA 29/05 (QUINTA-FEIRA) AS 20 HS NA GALERIA DO SESC ARSENAL EM CUIABÁ MT

    "Eu como artista, gostaria de expressar minha admiração pela qualidade e sensibilidade que esse jovem traz em sua imagetica. A temática desse trabalho nos faz acreditar que a identidade cultural de Mato Grosso vem sendo valorizada e muito bem registrada por esse artista extremamente talentoso. Visite, na galeria do Sesc Arsenal!" (Ruth Albernaz)

    João Quadros


    João Quadros é um jovem fotografo Brasileiro, que iniciou na fotografia aos 10 anos de idade. Influenciado por outros grandes fotógrafos Brasileiros, realizou seus primeiros trabalhos na área da fotografia de natureza e cultura popular, sempre com um olhar sensível e criativo. Em 2011, aos 14 anos de idade, João passou a integrar o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte – GPEA, da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT coordenado pela Profª Dra Michèle Sato, realizando pesquisa fotográfica sobre as águas na perspectiva da Educação Ambiental. 

    É integrante do grupo pesquisador que foi responsável pelo principal registro fotográfico do processo de feitura da Canoa típica Pantaneira.

    João aos 17 anos tem se destacando na fotografia artística, apossando-se desta linguagem como presença no mundo. Desta forma, podemos dizer que este jovem hoje, revela um trabalho fotográfico variado que permeia entre a fotografia conceitual, a fotografia etnográfica (cultura popular) e a fotografia artística. flickr.com/joaoquadros

    Fonte: Ruth Albernaz e revista Biografia
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    AS LENTES MÁGICAS DO REGISTRO


    É com muita satisfação que escrevo estas palavras para apresentar o grande fotógrafo JOÃO QUADROS. Por uma destas maravilhas científicas, tivemos um projeto coordenado pelo Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que possibilitou a presença de 7 pesquisadores mirins, que iniciaram suas pesquisas no ensino fundamental e prosseguiu, para a maioria, até o atual ensino médio.

    A pesquisa do João teve a fotografia como substrato primordial, na arte que cria, inventa, por vezes abusa, mas jamais repreende a estética da criação, pois esta acolhe não somente a beleza, mas também a feiura. Seu objetivo era registrar os fenômenos do Pantanal, seus ambientes, sua gente, suas expressões identitárias que pulsavam em São Pedro de Joselândia.

    Enquanto orientadora do João, tive o prazer de acompanhar sua investigação fotográfica com primazia, no talento que transbordava de suas lentes. Para além do crescimento teórico e prático, o João sempre revelou uma postura ética e comprometida, inclusive até madura à sua idade. Querido pela equipe, era também muito querido pelos moradores do Pantanal, que autorizaram a publicação das fotografias pela equipe GPEA da qual o João faz parte até os dias atuais.

    Água, terra, fogo e ar dinamizaram o ambiente pantaneiro, por vezes parecia que a natureza fazia pose ao fotógrafo de propósito, como se sentisse orgulho em ser capturada pelas lentes inquietas e criadoras do João. Matizes, reflexos, luzes e sombras conferiram a tessitura amalgamada pela sensibilidade do artista, oferecendo o esplendor de suas fotografias. A linguagem da arte é peralta – mal compreendida, por vezes, pois sempre quer driblar a “mesmice” à procura do inédito.

    Nas fotografias do João, com certeza estão os encantamentos daqueles que admiram a arte e a ecologia, conjugada na inescrupulosa vontade de mudar o mundo para que ele não seja habitado somente pelos imbecis.


    Cuiabá, maio de 2014.

    Profa. Dra. Michèle Sato
    Coordenadora GPEA-UFMT
    http://gpeaufmt.blogspot.com.br/

    A arte total de um mestre oitocentista

    fapesp
    http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/04/24/arte-total-de-um-mestre-oitocentista/


    A arte total de um mestre oitocentista

    Apelidado de “homem-tudo”, Araújo Porto-Alegre procurou definir as bases de uma escola brasileira de arte
    MARIA HIRSZMAN | Edição 218 - Abril de 2014

    © DIVULGAÇÃO IMS
    Mata virgem, c.1850-1860, grafite e aquarela sobre papel
    Mata virgem, c.1850-1860, grafite e aquarela sobre papel
    Figura central do projeto de constituição de uma cultura nacional no Brasil oitocentista, Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806 – 1879) é – paradoxalmente – vítima de uma perversa tendência brasileira de perpetuar mitos e optar pelo caminho mais fácil de pesquisa. Diante da dificuldade de reunir sua obra dispersa, e de entender como alguém pode ao mesmo tempo ser neoclássico e romântico, artista, literato e homem público, pintor de história e defensor da aquarela e do estudo da natureza tropical, diversas gerações se contentaram em dar-lhe a fama sem problematizar seus feitos, iluminar mais a fundo suas contradições ou observar de perto sua produção. Tanto que só agora, mais de dois séculos após seu nascimento, o Barão de Santo Ângelo (como também era conhecido) ganha sua primeira exposição individual, na sede do Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro.
    Articulada em torno de um álbum do artista que foi adquirido pelo Instituto em 2008, a mostra Araújo Porto-Alegre: singular & plural conta ainda com obras cedidas por uma dezena de instituições nacionais, como Biblioteca Nacional, Museu Histórico Nacional, Museu Nacional de Belas Artes e o Museu Julio de Castilhos. Por limitações de espaço, a versão carioca é pequena, mas a edição paulistana da mostra, que será inaugurada em junho próximo, terá mais de uma centena de pinturas, gravuras, desenhos e aquarelas e um recorte curatorial mais amplo. Mas é possível vislumbrar desde já, por meio de um alentado catálogo, com mais de 360 páginas, a diversidade de temas, técnicas e estilos e meios pelos quais Porto-Alegre transita.
    © DIVULGAÇÃO IMS
    Estudo para uma cena de batalha, s.d., grafite, nanquim e aguada sobre papel
    Estudo para uma cena de batalha, s.d., grafite, nanquim e aguada sobre papel
    A publicação, que reúne um vastíssimo material iconográfico, traz também uma seleção de ensaios inéditos, assinados por pesquisadores convidados de diversas áreas, nos quais são esmiuçados diferentes aspectos de sua trajetória, como por exemplo sua relação com o mestre Debret (Valéria Picolli); a importância dada por ele à paisagem tropical como símbolo do país, bem como a convivência entre a formação neoclássica e a sensibilidade romântica (Claudia Valadão de Mattos); sua reflexão acerca da música (Paulo M. Kuhl), e uma releitura crítica da difícil e paradoxal tarefa da primeira geração romântica – da qual Porto-Alegre faz parte – de fundar simbolicamente a nacionalidade brasileira (João Cezar de Castro Rocha).
    Outro mérito inquestionável da publicação é o de reunir e tornar acessível um amplo conjunto de textos escritos por Araújo Porto-Alegre, de difícil localização e fundamentais para historiadores da cultura em geral. Afinal, trata-se de uma figura quase onipresente na história oitocentista nacional. Ele foi aluno da primeira turma da Escola Imperial de Belas Artes (Aiba) e posteriormente seu professor e diretor. Também foi aluno dileto de Jean-Baptiste Debret, com quem partiu para a França em 1831. E não se restringiu de forma alguma às artes visuais. Foi arquiteto, cenógrafo, escritor, teatrólogo, crítico de música e artes (sendo pioneiro na tentativa de fundar as bases de uma escola brasileira de arte), membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), protegido de dom Pedro I, e de seu filho, dom Pedro II, cônsul brasileiro no exterior…
    © DIVULGAÇÃO IMS
    Cher compagnon de Voyage, 1834, grafite sobre papel
    Cher compagnon de Voyage, 1834, grafite sobre papel
    Se esse ecletismo – não à toa ele foi apelidado por um desafeto de “homem-tudo” – é fortemente responsável pela reiterada ideia de que se tratava de um artista medíocre, ele também contribui para iluminar sua rica trajetória e o conturbado período em que viveu. Para Letícia Squeff, que já havia dedicado seu mestrado a estudar a produção crítica de Porto-Alegre, o contato com as obras de arte lhe permitiram compreender um lado mais sensível de sua atuação. “Procuramos tratá-lo de forma mais totalizante”, explica Letícia, curadora da exposição em parceria com Júlia Kovensky, coordenadora de iconografia do IMS. “Ele só não foi melhor artista porque para ele a arte estava em tudo”, afirma ela na tentativa de explicar as reiteradas críticas à qualidade de sua pintura. Em texto publicado no catálogo, Rafael Cardoso faz um interessante alerta sobre o equívoco em relegar a um segundo plano os trabalhos sobre papel: “Somente o pensamento viciado que insiste em relegar o que não é pintura (de cavalete), escultura, arquitetura à condição de ‘arte menor’ explica que não se tenha procedido ainda a uma pesquisa aprofundada de suas aquarelas e desenhos — incluídas aí suas caricaturas, área em que é inegável sua importância, assim como seus esboços e projetos cenográficos”.

    Thursday, 29 May 2014

    ‘Nossa opção em São Paulo é poluir a água que está perto e captar a que está longe’

    correio
    http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9649:manchete270514&catid=34:manchete


     ‘Nossa opção em São Paulo é poluir a água que está perto e captar a que está longe’

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    ESCRITO POR GABRIEL BRITO E VALÉRIA NADER, DA REDAÇÃO   
    TERÇA, 27 DE MAIO DE 2014


    Após um verão extremamente seco, São Paulo se depara com o fantasma do racionamento, o que nem de longe pode ser atribuído somente ao clima dos últimos meses e à respectiva ausência de chuvas. Trata-se de um cenário histórico de imprevidência, aliado à falta de uma cultura que enxergue a água como bem escasso, o que se traduz em toda uma história de opções feitas ao longo das décadas. É assim que resume a arquiteta e especialista em gestão de recursos hídricos Marussia Whately, entrevistada pelo Correio da Cidadania.

    “O que chama mais atenção no sistema Cantareira é que, apesar de os últimos anos serem menos chuvosos, no cenário de previsões as medidas tardaram muito em serem tomadas. Por que se demorou tanto, se já vínhamos de dois verões com menos chuvas e as previsões para este já eram de clima mais seco?”, indagou.

    Em toda a entrevista, Marussia coloca uma discussão técnica, a despeito do atual momento pré-eleitoral, que aparentemente condiciona algumas medidas tomadas pelo governo estadual. Nesse sentido, ela afirma a necessidade urgente de mudarmos nossos hábitos de consumo de água. “Uma medida importante seria o consumo mais racional da água, para evitar desperdícios, como o uso de uma água nobre, tratada, potável, para lavar calçada. Poderia haver uma série de medidas de reuso, utilizando mais de uma vez a mesma água no edifício, como já se faz em vários lugares”, enumera ela, que citou outros exemplos aplicados mundo afora.

    Ainda no contexto paulista, Marussia lembra da opção histórica em buscar água cada vez mais longe, uma vez que os rios próximos sempre foram poluídos, levando à necessidade de se fazerem grandes obras de captação distantes do centro de consumo. “Creio que agora chegamos ao ápice dessa crise, que nos leva a tomar decisões como usar o volume morto. Esta, na minha opinião, é uma medida desesperada e, do ponto de vista de quem tem de gerir os mananciais, irresponsável. Ações de economia deveriam ser permanentes numa região que tem pouca água. Deveriam ser ação do governo, não da Sabesp”, alerta ela, que falou ainda sobre o contexto nacional associado a São Paulo.

    A entrevista completa com Marussia Whately pode ser lida a seguir.

    Correio da Cidadania: Os reservatórios de água de São Paulo estão secando a olhos vistos, e o sistema Cantareira é o maior símbolo dessa seca. A falta de chuvas, como de praxe, tem sido apontada como o grande vilão. Em que medida o problema está associado à escassez de chuvas e, ao mesmo tempo, como entra a administração e planejamento estatais, via Sabesp, nessa história?

    Marussia Whately: No último verão, a região do Cantareira passou por uma estiagem bastante intensa. E já podemos verificar que temos três verões recentes com menos chuva. No verão passado, choveu realmente bem menos. Na região do sistema, choveu 54% da média histórica. E nos dois anos anteriores, algo em torno de 80%. Há um ano seco, mas também um acúmulo de estiagem. Ou seja, não é que o período de seca acabou. A estiagem aparece há pelo menos três verões. E no ano passado choveu menos ainda. É um lado, o do fator climático – outras regiões do Brasil têm enchentes, estiagem...

    O que chama mais atenção no Cantareira é que, apesar de os últimos anos serem menos chuvosos, no cenário de previsões as medidas tardaram muito em serem tomadas. Por que se demorou tanto, se já vínhamos de dois verões com menos chuvas e as previsões para este já eram de clima mais seco? Por que não se tomaram medidas de diminuição de consumo entre novembro e dezembro de 2013? Por que as medidas ainda demoraram quatro meses para serem tomadas, sendo que passamos o verão sem chuva? Os reservatórios já iniciaram a estação com níveis baixos de reservação de água. Fica claro que tivemos problemas de gestão, mas é preciso olhá-los um pouco mais longe no tempo.

    A região metropolitana de São Paulo é considerada um lugar de pouca água. Não porque a água não existe, mas porque a que existe está poluída. E, há mais de 100 anos, nossa opção é poluir a água que está perto e captar a que está longe. Já foi assim quando substituíram as nascentes que existiam no centro da cidade por mananciais mais distantes, com a degradação de rios como o Anhangabaú, Tamanduateí, Tietê, Pinheiros etc., e na busca por mananciais cada vez mais distantes, começando pelo Guarapiranga. Depois tivemos a construção, há 40 anos, do sistema Cantareira, que é bem mais longe. Agora, a previsão é buscar água na bacia do rio Ribeira do Iguape, mais longe ainda... As fontes parecem inesgotáveis para trazer água. E isso significa fazer obra: para captar, para transportar, para tratar e para distribuir. É um mundão de obras.

    A nossa gestão de recursos hídricos tem sido historicamente essa. Buscar água cada vez mais longe e não cuidar daquela que está em casa. Vivemos agora uma situação que infelizmente não é exclusiva do Brasil. Locais como Austrália e Califórnia estão passando por estiagens severas. Na Califórnia, existem cidades fechando, porque não se consegue mais água. Há um cenário do clima (não necessariamente de mudança climática, pois já se passou por outras secas) que requer mais atenção, e não é o que temos visto.

    Há 40 anos, foi construído o sistema Cantareira, e há 10 anos tivemos a outorga dada pela Agência Nacional de Águas (ANA). Os rios que formam o sistema partem das nascentes do rio Piracicaba, que abastece também Campinas, Piracicaba e todo um conjunto de cidades muito importantes em termos de população, economia etc. Esse sistema não tinha muita regra até 2004, não se sabia com quanto de água a região do Piracicaba podia ficar, quanto a Sabesp pegava... Aí tivemos a regulação por meio da outorga, que definia essas questões. Havia um banco de águas e, quando os reservatórios ficavam mais cheios, era possível usar um pouco mais de água. E havia o compromisso de, em 10 anos, a Sabesp diminuir a dependência da região metropolitana em relação ao sistema Cantareira.

    Em agosto passado, a outorga deveria ser renovada e, pelo que foi conversado, lá atrás, São Paulo deveria ter menos água do Cantareira a partir de tal momento. Provavelmente, teremos um adiamento dessa outorga, porque, com a situação atual, não dá pra pensar em diminuir a água para São Paulo, a despeito de que muitos municípios da bacia do Piracicaba estão entrando em estado de calamidade, para garantir água para a capital. Alguns já entraram em racionamento, de modo que o compromisso da Sabesp em diminuir tal dependência carecia de uma série de ações que tinham de ser tomadas ao longo desses 10 anos, e que teriam, provavelmente, evitado a situação atual.

    Correio da Cidadania: Quais ações imediatas poderiam ser tomadas para amenizar o problema, a despeito dos interesses políticos ora em jogo?

    Marussia Whately: Podemos ter ações de diminuição de perda de água, o que foi feito, através principalmente da perda de faturamento. Isto é, um monte de gente que usava água da Sabesp sem pagar passou a pagar, o que diminuiu a perda de faturamento. Hoje, dentro dos valores que a Sabesp divulga sobre o estado (o índice da região metropolitana não está acessível), há algo em torno de 30% de perda – 10% de não faturamento e 20% de perdas físicas, vazamento da rede. Houve, portanto, uma diminuição das perdas, o que é muito importante. Se adotarmos esse número para a cidade de São Paulo, equivale às represas Billings e Guarapiranga juntas, que abastecem quase 6 milhões de pessoas. Isso quer dizer que o combate às perdas é uma ação fundamental e deve ser perseguida.

    Outra medida importante seria o consumo mais racional da água, para evitar desperdícios, como o uso de uma água nobre, tratada, potável, para lavar calçada. Poderia haver uma série de medidas de reuso, utilizando mais de uma vez a mesma água no edifício, como já se faz em vários lugares do mundo. Por exemplo: usa-se água pela segunda vez para algo menos nobre. Toma-se banho e depois essa água pode ser usada para lavar o jardim sem problemas. Outra medida de redução de consumo muito importante, que poderia ter sido adotada, seria a instalação de hidrômetros individuais nos prédios...

    É muito mais difícil reduzir o consumo num prédio do que numa casa. Conversei com várias pessoas que moram em casa e conseguem reduzir tranquilamente em 30% o uso de água. Em prédio, por mais esforço que se faça, depende-se do vizinho. Além do uso coletivo, há o individual, e a conta é coletiva. Às vezes pode haver um esforço grande, mas, se um vizinho não contribui ou se tem apartamento vazio com vazamento, pode não adiantar nada. São medidas que ajudariam a redução do consumo, e também na responsabilização de quem é perdulário quanto ao consumo de água.

    Outra coisa importante tem a ver com a opção de São Paulo em buscar água cada vez mais longe. Ao usar tal política, vemos que só se pensa em novas obras. Não se olha para a água que já temos e como usá-la. Por exemplo: a represa Billings tem um espelho d’água seis vezes maior que o da Guarapiranga. E não usamos boa parte dessa água. E por que não usamos essa água que está muito mais perto do que a Cantareira e o Vale do Ribeira? Porque está poluída. E se tivéssemos realmente trabalhado pela despoluição dela ao longo dos últimos dez anos? Precisaria fazer uma obra que custa pelo menos 2 bilhões de reais, para trazer água do Vale do Ribeira, impactando toda uma região, explorando mais uma nova área fora da metrópole e poluindo mais ainda os mananciais daqui?

    Adotamos políticas de buscar água cada vez mais longe e não se tomaram outras medidas. A situação é que, desde o ano passado, discute-se outorga, e já se sabia que a Sabesp não teria condições de ter sua outorga diminuída, porque não teria como suprir o resto da água para São Paulo. Existia um compromisso que não foi honrado, o que se deve mais à política de sempre fazer mais obras do que à incapacidade técnica. Agora, já se contratam obras, provavelmente mais rapidamente e por mais dinheiro.

    Correio da Cidadania: Diante de tudo que você falou sobre o que não foi feito ao longo dos anos, e também elencando medidas de curto prazo que podem ser tomadas, que medidas acredita serem necessárias para o longo prazo?

    Marussia Whately: Em termos de ações efetivas (cada vez mais a regra, e não exceção, nas cidades pelo mundo), São Paulo enrola há décadas com a despoluição do Tietê e outra série de rios (que nem dá pra chamar de rio) que cortam a cidade. Tudo isso representa uma maneira de se lidar com a água que agora, talvez, alcance seu extremo. Com uma forma de gestão bastante questionável: “vamos contar com as chuvas”. Como assim? Estamos vivendo um momento no qual é cada vez mais incerto o que vai acontecer com o clima. E contamos só com as chuvas para abastecer a maior metrópole do país?

    Creio que agora chegamos ao ápice dessa crise, que nos leva a tomar decisões como usar o volume morto. Esta, na minha opinião, é uma medida desesperada e, do ponto de vista de quem tem de gerir os mananciais, irresponsável. Porque vai fazer a população ficar sem água em novembro, e não em julho. Mas dizem que “pode ser que chova”. Pode ser. As previsões de tempo para os próximos três meses são incertas, não sabemos se vai chover igual, chover mais ou menos. Ninguém sabe. Estamos apostando no terço das possibilidades: “vai chover mais”. Tem que chover muito mais. E nisso se opta por usar o volume morto. O nome correto é “volume morto para abastecimento”. Não para o reservatório. É uma reserva operacional, ou seja, para que o sistema continue existindo. Não se deve usar essa água. Ao ser usada, o rio ou manancial, ao perder toda sua água, vai demorar muito mais para se regenerar – se o fizer. Porque o solo ficará mais exposto e, quando vier a água, ela será rapidamente absorvida por ele, não vai encher nenhuma represa. Vão se intensificar os processos de erosão, assoreamento... Ou seja, deprecia-se o sistema de produção de água, algo irresponsável, pois não sabemos o que vai acontecer.

    Em São Paulo, o que deve ser pensado para o longo prazo é um novo jeito de tratar da água. Assumir, entender e incorporar políticas que tratem a água como recurso escasso. E sua conservação, em todas as suas formas (potável, de reuso, de esgoto), tem de ser um modo de vida para a cidade. Falo isso até inspirada no plano que foi lançado para a Califórnia, que passa por uma estiagem severa há pelo menos três anos. Foi feito um plano de ação no qual a primeira medida é tratar a conservação da água como um modo de vida. Evitar desperdício, reutilizar, não lavar calçada com água de melhor qualidade etc.

    É um pouco difícil pensar o longo prazo porque não sabemos como sairemos dessa crise atual. Mas é urgente rever o atual modelo, que só trabalha com a ideia de fontes de água inesgotáveis, que podem ser buscadas de modo incessante. Deve-se buscar outro modelo, que use a água mais racionalmente.

    Por exemplo, Los Angeles lançou metas superambiciosas de redução de consumo, de compromisso da cidade... E não é nada disso que vemos aqui, onde se consome à vontade, pois a água “jorra da torneira”. É necessária uma mudança tanto no nível estrutural, governamental, como no nível individual, de as pessoas entenderem que vivem numa região com pouca água, pois boa parte da que existe aqui foi poluída. Ou cuidamos e recuperamos essa água, ou o investimento para trazê-la de mais longe não necessariamente ocorrerá no tempo em que se precisará da água da torneira.

    Correio da Cidadania: Como você tem avaliado a postura do governo Alckmin no tratamento dessa seca? Os métodos utilizados para o convencimento popular têm sido efetivos, a seu ver, ou servem apenas para ganhar tempo?

    Marussia Whately: Ações de economia de água deveriam ser permanentes numa região que tem pouca água. Deveriam ser ação do governo, não da Sabesp. É importante lembrar: a Sabesp é uma empresa de capital misto, com ações que repartem dividendos com seus acionistas. Ela tem como principal missão “vender água”. Não dá pra esperar de quem quer vender água a missão de convencer seus consumidores a usarem menos. A missão da empresa é vender mais. A questão do consumo tem de ser política de governo, e não política de uma companhia de saneamento que tem como missão vender água.

    O governo, em boa parte dessa crise, e de suas decisões, jogou tudo para a Sabesp, como se não fosse nada com ele. É importante lembrar que a questão da água nunca é responsabilidade de um só. Quem trabalha na área sabe que gestão da água é, por princípio, gestão de conflito. Sempre haverá um usando mais que outro, um poluindo a água do outro etc. Portanto, na linha das soluções, existem vários responsáveis, por diferentes tipos de soluções. O governo estadual tem responsabilidade porque, no sistema de concessões, a companhia está ligada a ele, apesar de ser de capital aberto. E a gestão estadual de recursos hídricos também está em seu colo.

    No entanto, os municípios não deixam de ter sua responsabilidade, pois concedem para a companhia um contrato de cessão de uso, concessão de serviço. Por exemplo: a prefeitura de São Paulo tem um contrato assinado com a Sabesp no qual lhe concede o direito de fornecer água no município. Esse contrato prevê que a Sabesp deveria repassar parte de seu faturamento para a prefeitura fazer o fundo municipal de saneamento. Ao que tudo indica, esse dinheiro nunca foi parar na conta da prefeitura. Poderia ser usado para subsidiar os hidrômetros individuais em prédios, o que não é barato. Isso foi feito, por exemplo, em Nova Iorque na década de 90, quando houve um programa subsidiado para trocar caixas de descargas, chuveiros e diminuir o consumo de água.

    Além do papel das prefeituras, há as empresas que retiram água das mesmas bacias de onde a Sabesp tira, ou que poluem essa água... A agricultura, em regiões do Cantareira ou do Alto Tietê, também tem responsabilidade, se pensarmos que 70% do consumo de água no país é relacionado à agricultura, especialmente ao agronegócio, responsável principal pelo grande aumento do consumo de água no país nos últimos anos.

    É uma coisa que chamamos de responsabilidade socioambiental compartilhada, em que cada um tem sua parte, tal como as pessoas ao usarem água em casa. Você pode até fazer um esforço enorme dentro de casa, guardar água em balde, correr risco de dengue, mas, se esses outros entes não fizerem sua parte, não adianta nada.

    Correio da Cidadania: Como associa a crise de abastecimento de água na cidade e estado de São Paulo com demais regiões do Brasil, em termos da extensão e gravidade da mesma?

    Marussia Whately: Não temos muito como afirmar uma relação direta. Mas é possível falar numa relação com o período de estiagem. Existem estudos que relacionam a estiagem com as diversas alterações pelas quais tem passado o território brasileiro. São Paulo vinha sendo cenário daquilo que muitos municípios acreditavam, isto é, de que o caminho é copiar seu modelo de cidade – e seu trânsito, enchentes... Em São Paulo, tais coisas sempre acontecem primeiro.

    Em São Paulo, temos o modelo de gestão de oferta. É o seguinte: pegam a demanda e buscam água aonde der, como no Ribeira do Iguape. O Brasil tem feito isso, de modo geral. O atlas do abastecimento urbano da ANA mostra que, até 2015, metade dos municípios do Brasil terá de expandir suas fontes de água.

    Mas a nossa única opção é “expandir fontes”? Temos de trabalhar a gestão de demanda. É melhor olhar que tal cidade precisa de determinada quantidade de água; depois, é preciso gerir essa demanda, ao invés de buscar mais água. Mas a política do Brasil é derrubar floresta, fazer hidrelétrica, no espírito de “está tudo aí para a gente usar”. E não é bem assim...

    Correio da Cidadania: Finalmente, você acredita que haverá racionamento? Tal medida já teria sido tomada nas atuais circunstâncias, não fosse este um momento eleitoral?

    Marussia Whately: Como uma pessoa que acompanha o tema, enquanto especialista, penso que o racionamento deveria ser adotado. Porém, como pessoa que vive em São Paulo, diria que o racionamento não deveria ser adotado. É uma das piores coisas que se pode ter. Se faltar luz em um restaurante, ele abre. Se faltar água, não. O mesmo vale para um shopping. Não dá pra manter os banheiros sujos etc. Realmente, a opção do racionamento é muito dura e, num sistema do tamanho do Cantareira, no qual as águas estão nos tubos há mais de 40 anos, as consequências podem ser muito imprevisíveis, até em termos de rompimento. De fato, seriam as mais desesperadoras possíveis.

    Porém, estamos chegando numa situação em que pode ser necessário adotar o racionamento. Porque, se o volume morto, a despeito de todo o impacto ressaltado, acabar, vai ter que fazer racionamento, não vai ter água. Não se trata de uma defesa do racionamento, mas de traçar um cenário. E não é o caso de pensar que, se chover em outubro, está tudo resolvido. As previsões são de que o sistema Cantareira vai demorar uns dois anos para se recuperar...

    Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.