RESULTADOS
PROJETO 5.2 - educação popular e avaliação ecossistêmica do milênio
PROJETO 5.2 - educação popular e avaliação ecossistêmica do milênio
O projeto 5.2 alicerça no substrato da educação popular e tem a
arte, cultura, espiritualidade, conhecimento tradicional, gênero, identidades e
territórios, além do campo de conflitos socioambientais que se travam neste
território chamado Pantanal. Há uma ênfase na avaliação ecossistêmica do
milênio, contudo nem todos estudos carregam a metodologia internacional,
principalmente pela escassez da literatura na dimensão cultural da proposta.
5.2.A) Arte e
natureza – Imara Quadros & Herman de Oliveira
No tocante à musicalidade de
Joselândia, há um equivalente socioambiental de perda das relações
interpessoais e parentais coletiva e individualmente, transformando dinâmicas,
dividindo e empobrecendo as trocas em diferentes níveis e dimensões quando
“tem-se perdido a aspereza” (Guattari, 2001, p. 18) na perda da diversidade,
das diferenças e dos relevos sociais, das assimetrias musicais, das topologias
das relações, mas também dos ruídos ambientais tão caros ao campo musical
modal, ainda que tenham sido reprimidos na música de concerto.
O fato é que, no mundo modal,
todos esses instrumentos exigem sacrifícios e isso cria outra relação com o
instrumento musical e com o ambiente (fauna e flora) do qual se retira aquilo
que é necessário para, em última análise, produzir som quando “o animal é
sacrificado para que se produza o instrumento, assim como o ruído é sacrificado
para que seja convertido em som” (WISNIK, 2006, p. 35). Nesse sentido, a
construção de um instrumento musical se circunscreve em relações onde é
fundamental a perspectiva modal de um conhecimento acumulado através do tempo,
cujas formas de relação é o que permite perpetuar esses conhecimentos mediados
por seus próprios nomos (BERGER,
1985).
Em Geertz (1989) percebe-se o
quanto os valores se interligam na formação da “teia de significados” em
intensa e dinâmica formação e conformação. Nesse sentido Lucas (1995) chama a
atenção para o quanto a educação ocupa um lugar central na cultura, entendendo
também a qualidade e orientação política dessa educação (BRANDÃO, 2002).
Portanto a música, enquanto valor educativo, se instala como a própria
intersecção no que tange à cultura e à educação musical em sentido lato, ou
seja, não apenas como um conjunto de sons, mas considerado desde a construção
de instrumentos musicais ligados à determinada expressão artística, como o caso
da viola-de-cocho e do cururu.
Em relação à canoa, a pesquisa
revela que ela não é somente um instrumento de mobilidade, mas faz parte da identidade
e cultura pantaneira. Mais do que isso, a pesquisa revela que a canoa é uma
iconografia mato-grossense, presentes em diversos estabelecimentos como
shoppings, restaurantes, comércio, pinturas ou demais expressões culturais. Uma
vasta produção de conhecimento e sentidos se verifica na tese de doutorado,
defendida em abril de 2013, com recomendações para publicação:
TESE DE DOUTORADO:
QUADROS, Imara. Palavras
científicas sonhantes em um território úmido feito à mão: a arte popular da
canoa pantaneira. Cuiabá: 2013, 364p. Tese (Doutorado em Educação) -
Programa de Pós-Graduação em Educação, UFMT.
5.2.B) Costume, festividade, mito e avifauna – André Manfrinate, Lúcia
Kawahara, Michèle Sato & Samuel Oliveira
A associação dos mitos, festas e
avifauna no mesmo subgrupo encontra ressonâncias nas histórias de vidas dos
habitantes de Joselândia, cujas narrativas são depoimentos importantes na
construção histórica e existencial do local. No caso da avifauna, as pesquisas
sobre a relação das aves e os serviços ecossistêmicos ainda continuam, embora
sem novos resultados. O final do ano de 2012 e o início de 2013 apenas
reforçaram os resultados já obtidos no ano anterior, dando uma roupagem mais
robusta e fidedigna das percepções e dos conhecimentos tradicionais.
São Pedro de Joselândia, como
comunidade tradicional ribeirinha, está em uma área viva de pluralismo
jurídico, por assim dizer. A noção que se encontra do pluralismo jurídico é a
do existir de dois ou mais sistemas legais que são eficazes, sendo então concomitantes
em um mesmo ambiente espaço-temporal. É uma noção recente, cuja definição e
abordagens são trabalhadas nesta pesquisa pelos juristas Boaventura de Sousa
Santos e Antonio Carlos Wolkmer. Reside na opção de se considerar que não só o
Estado em seu monopólio imperativo pode editar as leis e regras da sociedade,
em seus ditames centralizadores e interessados a grupos específicos nas esferas
de poder: a sociedade, em seus diversos grupos e identidades, vem também a
criar, participar ativamente do processo construtivo de seus direitos,
favorecendo um âmbito de democracia participativa, antes sufocada pela ideia da
democracia representativa. Vivências de anciões, conselhos de pessoas
experientes ou tradições históricas do local se agregam à composição de um
conjunto de COSTUMES propostos informalmente pelos comunitários. São pactos
sociais de convivência que estão acima de qualquer legislação formal, mas
constituem-se como um direito popular da biorregião.
Dando prosseguimento à tradição
oral das narrações comunitárias, em Joselândia pulsa histórias de seres
encantados que protegem a água, seja por feitiço, encantamento ou castigos.
Narrativas de proteção e limpeza da água são comumente associados aos seres que
protegem as águas, o que faz com que os moradores respeitem o local. Sob o
provérbio popular “há mais olhos na água
do que cabelo na terra”, geralmente as pessoas andam descalças nas ruas de
terra, mas usam sapatos ou botas para entrar na água. Para Bachelard (2008), a
água está muito além dos elementos superficiais, mas há imagens profundas e
tenazes que selam os destinos dos seres. A água é transitória e múltipla: pode
representar a gênese da vida, mas também é a causa de várias mortes.
Circundada pelas águas,
Joselândia reserva um espírito ilhado comum nos países como Cabo Verde,
Inglaterra ou Japão, de horizontes muito abertos em caminhos tão pequenos.
Nestes locais, a água exerce especial influência nas crenças e no cotidiano das
pessoas. O mito é uma das travessias que nos trazem a possibilidade de
religação com as fontes mais antigas deste conhecimento chamado de tradicional.
E, por isso mesmo, o mito tem um papel subjetivo fundamental no que se refere à
religação do ser humano com o conhecimento espiritual, com as suas fontes
divinas. “Quando apoiamos em fatos mitológicos, é porque reconhecemos neles a
opção pretérita permanente nas almas de hoje” (Bachelard, 2008, p. 128).
Em quase todas as casas de
Joselândia, há um santuário católico (figura 3). Imagens e símbolos do Cristo, santos, fé e
crença são alegorias cotidianas na vida desta gente que busca compreender os
fenômenos sociais e naturais por meio de histórias mitológicas. O poder emanado
desta crença ajuda, de certa maneira, a conservação do local, já que o mito é
quase sempre associado à natureza e a sua existência garante a perpetuação do
símbolo religioso.
Figura 3: religiosidade do seu Joaquim
Foto: Michèle Sato
O bestiário da imaginação
apresenta vários seres encantados e a semiótica se apropria destes conhecimentos
pelo nome de mitopoética. Mas nem só comunidades tradicionais gostam de
mitologia. A mitologia da água parece ser um assunto interessante aos
participantes da lista internacional da Convenção Ramsar. Recentemente, uma
simples mensagem da Colômbia, perguntando sobre histórias de monstros das áreas
úmidas foi o suficiente para desencadear uma longa discussão raramente vista na
lista virtual, com diversos exemplos de criaturas aquáticas de inúmeros países[1].
De fato, desde as histórias mais primitivas dos continentes até os dias atuais,
a civilização está repleta de seres mitológicos aquistas. A água é, assim, a
relação identitária, naquilo que Bachelard considerava como ressonância do
devaneio interno (EU) no substrato social (OUTRO) e ecológico do MUNDO.
Interessa-nos, aqui, não a
fidedignidade das histórias, e de antemão sabemos que elas são inventadas. Mas
o mito constitui-se como uma aprendizagem pelas histórias (figura 4). O mito
incita a curiosidade para compreender as relações sociais (polis) e os fenômenos
naturais (oikos), entrecruzados pelas compreensões etnográficas (ethos) e
cosmológicas (cosmos). Em outras palavras, os mitos da água são histórias de
sonhos pessoais que buscam as respostas nos prolongamentos dos fenômenos
sociais e na dinâmica do mundo natural. E por isso mesmo, exercem o fascínio e
o respeito da população pelas águas.
Figura 4: mito como aprendizagem pela história
“Há mais olhos na água do que cabelo na terra” (dito
popular de Joselândia)
Arte:
Michèle Sato
Em relação à festividades,
podemos inferir que a festa consiste em um Serviço Ecossistêmico Cultural pelas
características da indissociabilidade do ritual com o ambiente local (AEM) como
podemos conferir na tabela 1.
Tabela 1 - Lista de Serviços Ecossistêmicos
utilizadas nas Festas Santas
Organização e Estrutura
|
Serviços de
Provisão, Suporte, Regulação
|
|
Gastronomia
|
REFEIÇÕES
(Quebra Torto, Almoço,
Churrasco, janta)
pão, biscoito, francisquito, leite, café,
queijo, guaraná, sarapatel, revirado de carne, arroz, chá, bolo (milho,
polvilho)
bolo de arroz, arroz, feijão, mandioca,
macarrão, salada de repolho com tomate, vai-vem de carne, ossada, rabada,
costela, churrasco, farofa, maionese, etc)
|
1.
Água
2.
Arroz
3.
Carne de vaca
(miúdos para o café da manhã; menos nobre picado para o almoço; parte nobre
assado para o churrasco)
4.
Carne de porco
5.
Carne de galinha
6.
Feijão
7.
Leite
8.
Mandioca
9.
Ovo
10.
Farinha de
mandioca
11.
Manteiga/margarina
12.
Queijo
13.
Polvilho
14.
Milho
15.
Vinagre caseiro
|
Doces (leite, mamão,
laranja, caju, goiaba, figo, rapadura)
|
leite
16.
Mamão
17.
Laranja
18.
Banana
19.
Limão
20.
melado
21.
goiaba
|
|
suco
|
Água
(existem
diversas frutas, no entanto não são utilizados nas festas)
|
|
Licor
|
Leite
|
|
Ritual Religioso + Baile
|
Mastro/ Bandeira
|
22.
Pau de Formigueiro
|
Procissão, missa, reza com
Cururu
Viola
de cocho
Ganzá
Mocho
|
23.
Ximbaúva,
24.
Sarã,
25.
Figueira
26.
Taquara
27.
Couro
|
|
Estrutura/decoração
|
Churrasqueira
|
28.
Lenha do Pau de
Catingueiro
29.
Suportes Pau de
Angico
30.
Espetos de Pau
de Anta
31.
Cobertura da
palha de Acuri
32.
Base da
churrasqueira e forno- buraco na terra e argila/barro
|
Forno
|
Argila da estrutura
Lenha
|
|
Mesas e bancos
|
33.
Cambará
|
|
Fogão
|
Lenha de catingueiro
34.
Argila para
estrutura
35.
Tacuru
|
|
Pia e banheiro
|
Agua
|
|
Alojamento, barraquinhas,
empalizado , Xaria (almoxarifado),rancho
|
36.
Taquara,
37.
Cipó – Tripa de
Galinha
Palha de Acuri,
Madeira
|
|
Bandeirolas, flores, fitas
|
38.
Palmeiras
decorativo
39.
Bananeiras
40.
Flores
|
Além do diálogo coletivo com os educadores que elaboraram a lista da
tabela 1, realizamos entrevistas com alguns ex-festeiros da comunidade. A organização da festa é realizada em
consonância com o tempo das águas e da seca, uma aprendizagem coletiva
alcançada há gerações.
Por fim, vale sublinhar que a estudante de doutorado Lúcia Kawahara
realizou seu estágio doutoral (sanduíche) no Japão, também pesquisando as
festas na região de Ishikawa, Tóquio. Dando destaque ao arroz, os estudos
conseguem entrelaçar a intrínseca relação da cultura com a natureza[1] e foi notícia do boletim
da rede mundial Sub-Global Assessment[2].
No comments:
Post a Comment