Wednesday 22 May 2013

maio2013-INAU-relatório 8/13

RESULTADOS
PROJETO 5.2 - educação popular e avaliação ecossistêmica do milênio


O projeto 5.2 alicerça no substrato da educação popular e tem a arte, cultura, espiritualidade, conhecimento tradicional, gênero, identidades e territórios, além do campo de conflitos socioambientais que se travam neste território chamado Pantanal. Há uma ênfase na avaliação ecossistêmica do milênio, contudo nem todos estudos carregam a metodologia internacional, principalmente pela escassez da literatura na dimensão cultural da proposta.

5.2.A) Arte e natureza – Imara Quadros & Herman de Oliveira
No tocante à musicalidade de Joselândia, há um equivalente socioambiental de perda das relações interpessoais e parentais coletiva e individualmente, transformando dinâmicas, dividindo e empobrecendo as trocas em diferentes níveis e dimensões quando “tem-se perdido a aspereza” (Guattari, 2001, p. 18) na perda da diversidade, das diferenças e dos relevos sociais, das assimetrias musicais, das topologias das relações, mas também dos ruídos ambientais tão caros ao campo musical modal, ainda que tenham sido reprimidos na música de concerto.
O fato é que, no mundo modal, todos esses instrumentos exigem sacrifícios e isso cria outra relação com o instrumento musical e com o ambiente (fauna e flora) do qual se retira aquilo que é necessário para, em última análise, produzir som quando “o animal é sacrificado para que se produza o instrumento, assim como o ruído é sacrificado para que seja convertido em som” (WISNIK, 2006, p. 35). Nesse sentido, a construção de um instrumento musical se circunscreve em relações onde é fundamental a perspectiva modal de um conhecimento acumulado através do tempo, cujas formas de relação é o que permite perpetuar esses conhecimentos mediados por seus próprios nomos (BERGER, 1985).
Em Geertz (1989) percebe-se o quanto os valores se interligam na formação da “teia de significados” em intensa e dinâmica formação e conformação. Nesse sentido Lucas (1995) chama a atenção para o quanto a educação ocupa um lugar central na cultura, entendendo também a qualidade e orientação política dessa educação (BRANDÃO, 2002). Portanto a música, enquanto valor educativo, se instala como a própria intersecção no que tange à cultura e à educação musical em sentido lato, ou seja, não apenas como um conjunto de sons, mas considerado desde a construção de instrumentos musicais ligados à determinada expressão artística, como o caso da viola-de-cocho e do cururu.
Em relação à canoa, a pesquisa revela que ela não é somente um instrumento de mobilidade, mas faz parte da identidade e cultura pantaneira. Mais do que isso, a pesquisa revela que a canoa é uma iconografia mato-grossense, presentes em diversos estabelecimentos como shoppings, restaurantes, comércio, pinturas ou demais expressões culturais. Uma vasta produção de conhecimento e sentidos se verifica na tese de doutorado, defendida em abril de 2013, com recomendações para publicação:
TESE DE DOUTORADO:
QUADROS, Imara. Palavras científicas sonhantes em um território úmido feito à mão: a arte popular da canoa pantaneira. Cuiabá: 2013, 364p. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, UFMT.


5.2.B) Costume, festividade, mito e avifauna – André Manfrinate, Lúcia Kawahara, Michèle Sato & Samuel Oliveira
A associação dos mitos, festas e avifauna no mesmo subgrupo encontra ressonâncias nas histórias de vidas dos habitantes de Joselândia, cujas narrativas são depoimentos importantes na construção histórica e existencial do local. No caso da avifauna, as pesquisas sobre a relação das aves e os serviços ecossistêmicos ainda continuam, embora sem novos resultados. O final do ano de 2012 e o início de 2013 apenas reforçaram os resultados já obtidos no ano anterior, dando uma roupagem mais robusta e fidedigna das percepções e dos conhecimentos tradicionais.
São Pedro de Joselândia, como comunidade tradicional ribeirinha, está em uma área viva de pluralismo jurídico, por assim dizer. A noção que se encontra do pluralismo jurídico é a do existir de dois ou mais sistemas legais que são eficazes, sendo então concomitantes em um mesmo ambiente espaço-temporal. É uma noção recente, cuja definição e abordagens são trabalhadas nesta pesquisa pelos juristas Boaventura de Sousa Santos e Antonio Carlos Wolkmer. Reside na opção de se considerar que não só o Estado em seu monopólio imperativo pode editar as leis e regras da sociedade, em seus ditames centralizadores e interessados a grupos específicos nas esferas de poder: a sociedade, em seus diversos grupos e identidades, vem também a criar, participar ativamente do processo construtivo de seus direitos, favorecendo um âmbito de democracia participativa, antes sufocada pela ideia da democracia representativa. Vivências de anciões, conselhos de pessoas experientes ou tradições históricas do local se agregam à composição de um conjunto de COSTUMES propostos informalmente pelos comunitários. São pactos sociais de convivência que estão acima de qualquer legislação formal, mas constituem-se como um direito popular da biorregião.
Dando prosseguimento à tradição oral das narrações comunitárias, em Joselândia pulsa histórias de seres encantados que protegem a água, seja por feitiço, encantamento ou castigos. Narrativas de proteção e limpeza da água são comumente associados aos seres que protegem as águas, o que faz com que os moradores respeitem o local. Sob o provérbio popular “há mais olhos na água do que cabelo na terra”, geralmente as pessoas andam descalças nas ruas de terra, mas usam sapatos ou botas para entrar na água. Para Bachelard (2008), a água está muito além dos elementos superficiais, mas há imagens profundas e tenazes que selam os destinos dos seres. A água é transitória e múltipla: pode representar a gênese da vida, mas também é a causa de várias mortes.
Circundada pelas águas, Joselândia reserva um espírito ilhado comum nos países como Cabo Verde, Inglaterra ou Japão, de horizontes muito abertos em caminhos tão pequenos. Nestes locais, a água exerce especial influência nas crenças e no cotidiano das pessoas. O mito é uma das travessias que nos trazem a possibilidade de religação com as fontes mais antigas deste conhecimento chamado de tradicional. E, por isso mesmo, o mito tem um papel subjetivo fundamental no que se refere à religação do ser humano com o conhecimento espiritual, com as suas fontes divinas. “Quando apoiamos em fatos mitológicos, é porque reconhecemos neles a opção pretérita permanente nas almas de hoje” (Bachelard, 2008, p. 128).
Em quase todas as casas de Joselândia, há um santuário católico (figura 3).  Imagens e símbolos do Cristo, santos, fé e crença são alegorias cotidianas na vida desta gente que busca compreender os fenômenos sociais e naturais por meio de histórias mitológicas. O poder emanado desta crença ajuda, de certa maneira, a conservação do local, já que o mito é quase sempre associado à natureza e a sua existência garante a perpetuação do símbolo religioso.

Figura 3: religiosidade do seu Joaquim
Foto: Michèle Sato




O bestiário da imaginação apresenta vários seres encantados e a semiótica se apropria destes conhecimentos pelo nome de mitopoética. Mas nem só comunidades tradicionais gostam de mitologia. A mitologia da água parece ser um assunto interessante aos participantes da lista internacional da Convenção Ramsar. Recentemente, uma simples mensagem da Colômbia, perguntando sobre histórias de monstros das áreas úmidas foi o suficiente para desencadear uma longa discussão raramente vista na lista virtual, com diversos exemplos de criaturas aquáticas de inúmeros países[1]. De fato, desde as histórias mais primitivas dos continentes até os dias atuais, a civilização está repleta de seres mitológicos aquistas. A água é, assim, a relação identitária, naquilo que Bachelard considerava como ressonância do devaneio interno (EU) no substrato social (OUTRO) e ecológico do MUNDO.
Interessa-nos, aqui, não a fidedignidade das histórias, e de antemão sabemos que elas são inventadas. Mas o mito constitui-se como uma aprendizagem pelas histórias (figura 4). O mito incita a curiosidade para compreender as relações sociais (polis) e os fenômenos naturais (oikos), entrecruzados pelas compreensões etnográficas (ethos) e cosmológicas (cosmos). Em outras palavras, os mitos da água são histórias de sonhos pessoais que buscam as respostas nos prolongamentos dos fenômenos sociais e na dinâmica do mundo natural. E por isso mesmo, exercem o fascínio e o respeito da população pelas águas.

Figura 4: mito como aprendizagem pela história
            “Há mais olhos na água do que cabelo na terra” (dito popular de Joselândia)
Arte: Michèle Sato





Em relação à festividades, podemos inferir que a festa consiste em um Serviço Ecossistêmico Cultural pelas características da indissociabilidade do ritual com o ambiente local (AEM) como podemos conferir na tabela 1.



Tabela 1 - Lista de Serviços Ecossistêmicos utilizadas nas Festas Santas
Organização e Estrutura
Serviços de Provisão, Suporte, Regulação
Gastronomia
REFEIÇÕES
(Quebra Torto, Almoço, Churrasco, janta)
pão, biscoito, francisquito, leite, café, queijo, guaraná, sarapatel, revirado de carne, arroz, chá, bolo (milho, polvilho)
bolo de arroz, arroz, feijão, mandioca, macarrão, salada de repolho com tomate, vai-vem de carne, ossada, rabada, costela, churrasco, farofa, maionese, etc)
1.        Água
2.        Arroz
3.        Carne de vaca (miúdos para o café da manhã; menos nobre picado para o almoço; parte nobre assado para o churrasco)
4.        Carne de porco
5.        Carne de galinha
6.        Feijão
7.        Leite
8.        Mandioca
9.        Ovo
10.     Farinha de mandioca
11.     Manteiga/margarina
12.     Queijo
13.     Polvilho
14.     Milho
15.     Vinagre caseiro
Doces (leite, mamão, laranja, caju, goiaba, figo, rapadura)
leite
16.     Mamão
17.     Laranja
18.     Banana
19.     Limão
20.     melado
21.     goiaba
suco
Água
(existem diversas frutas, no entanto não são utilizados nas festas)
Licor
Leite
Ritual Religioso + Baile
Mastro/ Bandeira
22.     Pau de Formigueiro
Procissão, missa, reza com Cururu
Viola de cocho
Ganzá
Mocho
23.     Ximbaúva,
24.     Sarã,
25.     Figueira
26.     Taquara
27.     Couro
Estrutura/decoração
Churrasqueira
28.     Lenha do Pau de Catingueiro
29.     Suportes Pau de Angico
30.     Espetos de Pau de Anta
31.     Cobertura da palha de Acuri
32.     Base da churrasqueira e forno- buraco na terra e argila/barro
Forno
Argila da estrutura
Lenha
Mesas e bancos
33.     Cambará

Fogão
Lenha de catingueiro
34.     Argila para estrutura
35.     Tacuru
Pia e banheiro
Agua
Alojamento, barraquinhas, empalizado , Xaria (almoxarifado),rancho
36.     Taquara,
37.     Cipó – Tripa de Galinha
Palha de Acuri,
Madeira
Bandeirolas, flores, fitas
38.     Palmeiras decorativo
39.     Bananeiras
40.     Flores


Além do diálogo coletivo com os educadores que elaboraram a lista da tabela 1, realizamos entrevistas com alguns ex-festeiros da comunidade.  A organização da festa é realizada em consonância com o tempo das águas e da seca, uma aprendizagem coletiva alcançada há gerações. 
Por fim, vale sublinhar que a estudante de doutorado Lúcia Kawahara realizou seu estágio doutoral (sanduíche) no Japão, também pesquisando as festas na região de Ishikawa, Tóquio. Dando destaque ao arroz, os estudos conseguem entrelaçar a intrínseca relação da cultura com a natureza[1] e foi notícia do boletim da rede mundial Sub-Global Assessment[2].

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