Sunday, 26 May 2013

O banqueiro e o orangotango

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Meio Ambiente| 19/05/2013 | Copyleft 

O banqueiro e o orangotango

Na Indonésia, a exploração da madeira, do carvão e do óleo de palma contribui para a destruição da floresta e de sua biodiversidade. É um problema semelhante ao da Amazônia brasileira, onde um banqueiro pecuarista é denunciado por movimentos sociais e pelo Ministério Público.

Recebi um pedido urgente para apoiar a campanha de um gerente de conservação, na ilha de Sumatra, Indonésia – um arquipélago formado por mais de 17 mil ilhas, e que tem a segunda maior floresta tropical no planeta –, chamado Rudi Putra, sobre a manutenção da moratória do desmatamento na região, instituída pelo governo central do país há dois anos. Os incêndios nas florestas da Indonésia ficaram conhecidos no mundo, quando uma onda de fumaça tomou conta da Ásia alguns anos atrás. O país é o terceiro emissor de CO2 por conta da queima das florestas. A razão é quase a mesma da queima das florestas de qualquer país, principalmente quando são as únicas áreas restantes. 

Primeiro o avanço das madeireiras, depois o plantio da palma – nosso óleo de dendê –, por trás as mineradoras e as empresas que vendem carvão vegetal. Na Indonésia há outro agravante: a produção de celulose usa como matéria-prima as árvores milenares da floresta tropical, onde se refugiam 15% da biodiversidade do planeta. O apelo de Rudi é para manter a floresta que abriga cerca de 200 orangotangos que ainda vivem lá, outros 400 tigres de bengala e cerca de três mil elefantes nativos. Ele ganhou o prêmio “Futuro para a Natureza” de 2013, pelo trabalho de proteção aos grandes mamíferos da Ilha de Sumatra.

Pressão enorme
Em 2011, o presidente do país, Susilo Yudhoyons, assinou um acordo e criou uma força tarefa para combater o desmatamento. O acordo foi fechado com a Noruega, que injetou US$1 bilhão, e uma coalizão de entidades de defesa do ambiente participaram. O acordo acabou agora. Falta um ano e meio para acabar o mandato de Yudhoyons e há uma pressão enorme para não validar a continuação da moratória. Rudi disse que ele já aprovou, mas que os governadores de algumas regiões querem liberar algumas áreas de florestas para exploração madeireira e mineral. É o caso do governador de Aceh. A mineradora do Canadá, East Asia Minerals Corporation, está atuando nos bastidores para aprovar o plano do governador.

“Se isso acontecer, diz Rudi Putra, colocaria toda a conservação dos mamíferos em risco, além de ameaçar as comunidades locais com deslizamentos de terra e inundações. E acabaria com o hábitat das espécies”.

Na Indonésia parte das florestas é de turfa (restos de vegetais e algas), quando seca, queima que nem pólvora. Mas nestas áreas calcula-se que estão armazenadas 35 bilhões de toneladas de CO2. Se a política de desmatamento continuar, cerca de 4,9 milhões de hectares de florestas e de turfa poderá queimar, de um total de 71 milhões cobertos pela moratória.

A APP, também conhecida por Ásia Pulp & Paper, maior produtora de celulose e papel da região, é uma das empresas responsáveis pelo desmatamento e que recentemente anunciou uma moratória nas áreas de floresta primária. Anúncio que não foi levado em consideração pelas entidades ambientalistas, porque ela continuava comprando madeira de Sumatra. Na Indonésia o governo diz que as madeireiras respondem por 3,5% da economia e cerca de 4% da mão de obra e injetam US$21 bilhões na economia. Certamente um arquipélago sem floresta derreteria no meio de dois oceanos – Pacífico e o Índico.

O banqueiro na Amazônia
E o banqueiro, o que tem a ver com essa história? Muda o nome da floresta, que continua sendo tropical, mas é a Amazônia. A região é o Pará, onde o banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity montou a Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, controlando mais de 50 fazendas, cinco invadidas com cerca de 650 famílias. Como é do conhecimento público, Dantas era um economista famoso, amigo de Antônio Carlos Magalhães, que depois pegou carona no neoliberalismo dos anos 1990, e pousou na primeira década do novo século como sorrateiro banqueiro poderoso, acostumado a vigiar inimigos e figuras consideradas personas non gratas.

Desmontando operações
Em 2005, quando já não dispunha de tantas asas no poder, começou a desmontar suas operações, a maior delas na Brasil Telecom, onde era sócio minoritário, mas comandava a empresa, começou a investir no agronegócio, mais especificamente em fazendas no Pará. O tamanho nunca foi assumido pelo Grupo Santa Bárbara, mas os números que circulam no meio dão conta de 500 mil hectares e 500 mil bois – que é a média de lotação da pecuária brasileira, um boi por hectare.

Partes das fazendas no Pará foram adquiridas da família Mutran, particularmente de Benedito Mutran Filho, um conhecido selecionador da raça Nelore, acostumado a frequentar os leilões de elite em São Paulo e Uberaba. Figurinha carimbada na área. A família dele tinha grandes áreas de florestas com castanhais na região de Marabá, concedidas por um regime jurídico na década de 1950 conhecido como aforamento. O poder público concede a área para explorar a castanha. Mas o concessionário não é o dono da área. 

Não tem documento
Isso virou um imbróglio jurídico e em 2005 Benedito vendeu a fazenda Cedro, sede da criação de Nelore, para a Santa Bárbara. Na mesma época o ITERPA (Instituto de Terras do Pará) requereu as terras de volta. Depois fez um acordo com Benedito Mutran Filho e entregou a Fazenda Mundo Novo por R$400 mil. Depois repassada à Santa Bárbara por R$5 milhões.

Porém, a novidade recente das encrencas do sorrateiro Dantas foi encaminhada pelo departamento jurídico da Comissão Pastoral da Terra, de Marabá. Em quatro fazendas do grupo – Cedro, Itacaiúnas, Castanhais e Ceita Corê, duas em Marabá, uma em Sapucaia e outra em Xinguara – , num total de 35.512 hectares, a maior parte, ou seja, 25.504 hectares, é de terras públicas federais e estaduais. Não tem documento legítimo confirmando a propriedade da terra. 

Mesmo na Fazenda Cedro, somente 22,8% do imóvel tem registro legal. O caso mais escandaloso é das fazendas Castanhais e Ceita Corê, com 17.224 hectares, onde apenas um título de 1962 correspondendo a uma área de 4.356 ha expedido pelo Estado do Pará, serve de argumento para forjar matrículas de outros 12.868 ha, formadas por terras públicas federais. A CPT vai enviar o estudo ao Ministério Público Federal, e também ao ITERPA e a Ouvidoria Agrária Nacional.

A Agropecuária Santa Bárbara é uma velha conhecida do Ministério Público Federal, porque a instituição já abriu nove ações públicas civis envolvendo nove fazendas em cinco municípios do sudeste do Pará por crimes ambientais e pede indenização de R$688,8 milhões. No meio da encrenca do banqueiro já morreu um sem-terra assassinado e outros 33 baleados. 

Os últimos dados do desmatamento da Amazônia apontam uma área de 175km2, nos meses de março e abril, quando 50% da área estão cobertas por nuvens e os satélites têm dificuldades de identificar as imagens do desmatamento. Isso é um detalhe burocrático. A campanha continua a mesma, sorrateira. Já está na margem de destruição de 20% da maior floresta tropical do planeta. Como disse recentemente o presidente da Indonésia não “podemos perder nossas florestas tropicais porque constituiria o maior desastre nacional, global, planetário”. O Rudi diz que ele faz pose de defensor das florestas, porque almeja um cargo na burocracia da ONU, em Nova Iorque.

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