RESULTADOS
projeto 5.2 - educação popular e avaliação ecossistêmica do milênio
projeto 5.2 - educação popular e avaliação ecossistêmica do milênio
5.2.C) Território
e identidade – Michelle Jaber, Regina Silva e Rosana Manfrinate
É importante sublinhar de que
este subprojeto é novo, embora as pesquisadoras não sejam. Com a saída de
alguns membros do laboratório 5, o projeto 5.3 passou a ser o 5.2. Tentamos
adaptar ao novo contexto, que basicamente considera o mapeamento de territórios
e identidades em Joselândia. Um destes mapeamentos cartográficos revela os
principais pontos de comunhão pela comunidade (figura 5), que podem ser
sagrados do ponto de vista do avizinhamento e relações sociais.
Figura 5. Mapeamento Fotográfico de São Pedro de Joselândia,
Barão de Melgaço, MT. 2013.
Autoria: Regina Silva
Existem algumas
áreas de uso comum onde o gado é criado solto, é uma região denominada por eles
como Baía da Fartura, ou Pantanal,
ou ‘Pantanar’, está localizada
entre a Comunidade de São Pedro e o rio Cuiabá, incluindo áreas da RPPN Sesc
Pantanal. Essa área em época de cheia fica totalmente inundada ofertando uma
baía que é muito frequentada pelos moradores da comunidade como área de pesca;
na seca a mesma área é usada pela comunidade para áreas de pastagens para o
gado. ‘A maioria das famílias de São Pedro tem seus “arrodeio” ou “reses” de
gado e soltam nessa área comum como a Baía da Fartura, assim quando uma pessoa
da comunidade de desloca para ver o seu gado, já aproveita e também vê o gado
de seus vizinhos’, ‘quando a água sobre o gado vem vindo e é levado para a
parte mais alta e seca, chamada de firme’ (relato de pesquisa). Em São Pedro,
essas relações comunitárias são reforçadas por uma organização social
estruturada por laços de parentesco, compadrio e vizinhança.
A solidariedade é
um dos pontos de destaque durante as entrevistas, são narrativas revisitadas de
lembranças nas práticas de mutirões e nas áreas de uso comum. Além da
solidariedade descrita nas práticas cotidianas, outro fio condutor destas
identidades está no contato direto, interdependente e intrínseco, destes grupos
com o ecossistema pantaneiro. Em comunidades como São Pedro, “boa parte do que
se obtém para o sustento familiar e a reprodução da vida coletiva é obtido da
natureza, por coleta, caça e pesca, os espaços da vida e do trabalho ainda são,
em uma larga medida, os da própria natureza.” (BRANDÃO, 2007, p. 51).
Este sistema de
interdependência configura-se como um sistema de conhecimento gerado por
estes grupos por meio de uma longa convivência com os ecossistemas e suas
diferentes formas de manejá-los. Os relatos nos apontam a forte ligação deste
povo com o habitat que vivem. Há um
sentimento de pertencimento e uma forma peculiar de convivência com o ambiente,
fator que contribui para que boa preservação do habitat local.
Contudo, as
entrevistas apontam mudanças importantes nesse ecossistema, a própria Baía da
Fartura que recebeu esse nome pala quantidade de piranhas que eram pescadas
nessas áreas, segundo relatos, teve o volume e o tamanho dos pescados
diminuídos (relato de pesquisa). Relatam que as ‘águas também diminuíram’,
‘isso tudo porque mexeram muito na natureza’, ‘os Cambarás diminuíram muito e
com isso as chuvas também diminuíram’.
A sustentabilidade
dos territórios e a melhoria da qualidade de vida dos povos habitantes do Pantanal
devem compreender a complexidade que envolve este ecossistema e, reconhecer a
interdependência direta da planície com as áreas que estão no planalto. Neste
caso em toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP), pois, é impossível garantir a
sustentabilidade do Pantanal e a melhoria da qualidade de vida do povo
pantaneiro, sem a compreensão dos impactos socioambientais que estão em seu
entorno. Como exemplo, a poluição hídrica causada pelos agrotóxicos, os esgotos
sanitários e os industriais vindos do planalto revelam-se como problemas a
serem solucionados.
Acreditamos que essas disputas
existentes no microcosmo de Joselândia são impulsionadas por fatores externos a
comunidade descritos pelo Milênio como driving
forces indiretas e diretas procedentes do desenvolvimento econômico. As causas (diretas e indiretas) estabelecem uma intrínseca
correspondência com os conflitos socioambientais, pois podemos considerar que
os conflitos são forjados por essas causas que geram significativas mudanças
nas paisagens e consequentemente no modo de vida dos grupos sociais. A ligação
entre as driving force e os conflitos
socioambientais pode ser representada na figura 6, que exemplifica as
interferências das forças motrizes nos habitats mato-grossenses e nos grupos
sociais, provocando os conflitos socioambientais.
Figura 6 -- Driving forces no contexto mato-grossense
Fonte: Jaber, 2012
No Bioma Pantanal são diversas
forças motrizes que impulsionam sua degradação, iniciou-se a fragmentação de
grandes áreas de vegetação nativa convertidas principalmente para uso da
pecuária e produção agrícola, acarretando na degradação das áreas de
preservação permanente (APP), assoreamentos, desmatamentos, queimadas, dentre
outras ações impactantes. Recorrendo aos resultados das pesquisas de diversos
cientistas publicados no documento - Definição e Classificação das Áreas Úmidas
(AUs) Brasileiras: Base Científica para uma Nova Política de Proteção e Manejo
Sustentável (JUNK et al, 2012, p.05) as principais forças motrizes que provocam
degradações socioambientais no Pantanal são:
(1) Drenagem pela
agricultura e pecuária; (2) Construção de áreas habitacionais, de
infraestrutura urbana e de uso industrial; (3) Poluição por esgotos e resíduos
domésticos, industriais e de mineração; (4) Construção de hidrelétricas, que
inundam AUs rio acima da barragem, interrompem a conectividade longitudinal, e
mudam o pulso de inundação rio abaixo; (5) Construção de hidrovias; (6)
Construção de diques que interferem na conectividade lateral separando as AUs
dos rios; (7) Exploração indevida dos recursos naturais (recursos pesqueiros,
madeireiros e não madeireiros, e da biodiversidade); (8) Mudanças do clima
global.
O povoado de São Pedro de Joselândia, um microcosmo dentro da magnitude
pantaneira, reflete bem o cenário provocado por essas driving forces. As narrativas dos moradores entrevistados afirmam
que o cercamento das terras comunais, que se intensificou ultimamente,
acarretando na expansão de grandes fazendas e até mesmo entre médios e pequenos
produtores, convertendo-se o Pantanal em propriedade privada, vem enfraquecendo
de forma decisiva a organização familiar na comunidade.
O aumento do consumo exacerbado de
carne vermelha no mundo é uma driving
force direta que afeta o modo de vida da comunidade de São Pedro. Pois, as
terras antes comunais empregadas para manejo de poucos gados utilizados para
subsistência, são convertidas em grandes fazendas de gado de corte para atender
o mercado interno e externo. De acordo com Meirelles (2009, p.01)
Cerca de 40% da superfície
aproveitada do planeta estaria sendo ocupada pela pecuária bovina. No caso do
Brasil, a situação é muito mais grave porque dos 800 milhões de hectares do
país, aproximadamente 200 milhões já são ocupados pela criação de gado. Para
entendermos a dimensão disso, a agricultura não ocupa nem 80 milhões de
hectares. Esse é um fato grave, porque a maior parte territorial do país é
destinada para a pecuária de corte.
Esse cenário do macrocosmo é refletido
no microcosmo pantaneiro investigado. Vale salientar, que contraditoriamente
[ou não] a dieta alimentar da comunidade é regada fortemente pela carne bovina
(Figura 07). A mesma que tem impulsionado tantos conflitos.
Figura 7: consumo de carne vermelha
Foto: Michelle Jaber
Ligada a essa questão
de disputa pela terra, alguns moradores apontaram a criação da RPPN
SESC-PANTANAL como um problema. Segundo as narrativas a criação da RPPN (que
englobou quatro grandes fazendas da região) dificultou em alguns pontos a vida
da comunidade, dentre eles: muitos perderam a possibilidade de aumentar a renda
trabalhando temporariamente nas fazendas e o local para colocar o gado em
épocas de cheia (a área da RPPN é mais alta que a área da comunidade).
Vale registrar que alguns dos entrevistados
avaliaram a instalação da RPPN Sesc-Pantanal como positiva. Os motivos
apontados foram justamente na geração de emprego, mas sobremaneira no apoio a
projeto como a produção de mel de abelha na comunidade de Pimenteira ofertado
pelo SESC à comunidade.
As relações de
gênero se fazem presentes em Joselândia, assim como qualquer outro lugar. Parte das entrevistas deveria responder
sobre o histórico de vida da mulher em Joselândia, por isso as entrevistas com
as mais idosas foram muito importantes, pois, elas representaram a memória
coletiva (BOSI, 2003) da gênese feminina na comunidade, que no pensamento
bachelardiano corresponde à “água”, princípio de tudo, da constituição original
do conhecimento da vivência no território de Joselândia que é também
significativamente imersa nesse elemento boa parte do ano.
Essas mulheres
partilham concepções com as comunidades às quais pertencem, nas quais os seres
humanos e animais, em correlação com espíritos da natureza e o dito meio ambiente,
não estão separados, nem separados da vida social, nem tampouco são reduzidos à
condição de suporte, ou se prestam a ser matéria-prima para a vida humana, mas
fazem parte desta (TORNQUIST, LISBOA e MONTESYMA, 2010, p.65).
As mulheres ainda exercem suas funções extras na comunidade,
como a de rezadeiras, visitas aos doentes e a função importante que é de
cozinheira nas festas de santo. A mulher em Joselândia necessita de mais
visibilidade tanto na sua atuação política quanto econômica, entretanto todas
entrevistadas garantem que aos poucos elas estão conseguindo uma atuação maior,
galgando espaços que antes não lhes eram permitido.
Compreendemos que gênero não é sinônimo de mulher e que os
estudos necessitam também incluir homens, mulheres e outras identidades sexuais
que já não mais se sustentam apenas na dualidade de macho e fêmea, mas que se
espreita em múltiplas possiblidades. A ênfase nas mulheres, todavia, busca
conhecer não apenas as formas econômicas e o trabalho na labuta cotidiana, mas
sua emancipação e sentidos cotidianos que podem sinalizar o aumento das
mulheres no mundo das ciências.
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