Wednesday, 22 May 2013

maio2013-INAU-relatório 9/13

RESULTADOS
projeto 5.2 - educação popular e avaliação ecossistêmica do milênio


5.2.C) Território e identidade – Michelle Jaber, Regina Silva e Rosana Manfrinate
É importante sublinhar de que este subprojeto é novo, embora as pesquisadoras não sejam. Com a saída de alguns membros do laboratório 5, o projeto 5.3 passou a ser o 5.2. Tentamos adaptar ao novo contexto, que basicamente considera o mapeamento de territórios e identidades em Joselândia. Um destes mapeamentos cartográficos revela os principais pontos de comunhão pela comunidade (figura 5), que podem ser sagrados do ponto de vista do avizinhamento e relações sociais.

Figura 5. Mapeamento Fotográfico de São Pedro de Joselândia, Barão de Melgaço, MT. 2013.
Autoria: Regina Silva

Existem algumas áreas de uso comum onde o gado é criado solto, é uma região denominada por eles como Baía da Fartura, ou Pantanal, ou ‘Pantanar’, está localizada entre a Comunidade de São Pedro e o rio Cuiabá, incluindo áreas da RPPN Sesc Pantanal. Essa área em época de cheia fica totalmente inundada ofertando uma baía que é muito frequentada pelos moradores da comunidade como área de pesca; na seca a mesma área é usada pela comunidade para áreas de pastagens para o gado. ‘A maioria das famílias de São Pedro tem seus “arrodeio” ou “reses” de gado e soltam nessa área comum como a Baía da Fartura, assim quando uma pessoa da comunidade de desloca para ver o seu gado, já aproveita e também vê o gado de seus vizinhos’, ‘quando a água sobre o gado vem vindo e é levado para a parte mais alta e seca, chamada de firme’ (relato de pesquisa). Em São Pedro, essas relações comunitárias são reforçadas por uma organização social estruturada por laços de parentesco, compadrio e vizinhança.
A solidariedade é um dos pontos de destaque durante as entrevistas, são narrativas revisitadas de lembranças nas práticas de mutirões e nas áreas de uso comum. Além da solidariedade descrita nas práticas cotidianas, outro fio condutor destas identidades está no contato direto, interdependente e intrínseco, destes grupos com o ecossistema pantaneiro. Em comunidades como São Pedro, “boa parte do que se obtém para o sustento familiar e a reprodução da vida coletiva é obtido da natureza, por coleta, caça e pesca, os espaços da vida e do trabalho ainda são, em uma larga medida, os da própria natureza.” (BRANDÃO, 2007, p. 51).
Este sistema de interdependência configura-se como um sistema de conhecimento gerado por estes grupos por meio de uma longa convivência com os ecossistemas e suas diferentes formas de manejá-los. Os relatos nos apontam a forte ligação deste povo com o habitat que vivem. Há um sentimento de pertencimento e uma forma peculiar de convivência com o ambiente, fator que contribui para que boa preservação do habitat local.
Contudo, as entrevistas apontam mudanças importantes nesse ecossistema, a própria Baía da Fartura que recebeu esse nome pala quantidade de piranhas que eram pescadas nessas áreas, segundo relatos, teve o volume e o tamanho dos pescados diminuídos (relato de pesquisa). Relatam que as ‘águas também diminuíram’, ‘isso tudo porque mexeram muito na natureza’, ‘os Cambarás diminuíram muito e com isso as chuvas também diminuíram’.
A sustentabilidade dos territórios e a melhoria da qualidade de vida dos povos habitantes do Pantanal devem compreender a complexidade que envolve este ecossistema e, reconhecer a interdependência direta da planície com as áreas que estão no planalto. Neste caso em toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP), pois, é impossível garantir a sustentabilidade do Pantanal e a melhoria da qualidade de vida do povo pantaneiro, sem a compreensão dos impactos socioambientais que estão em seu entorno. Como exemplo, a poluição hídrica causada pelos agrotóxicos, os esgotos sanitários e os industriais vindos do planalto revelam-se como problemas a serem solucionados.
Acreditamos que essas disputas existentes no microcosmo de Joselândia são impulsionadas por fatores externos a comunidade descritos pelo Milênio como driving forces indiretas e diretas procedentes do desenvolvimento econômico. As causas (diretas e indiretas) estabelecem uma intrínseca correspondência com os conflitos socioambientais, pois podemos considerar que os conflitos são forjados por essas causas que geram significativas mudanças nas paisagens e consequentemente no modo de vida dos grupos sociais. A ligação entre as driving force e os conflitos socioambientais pode ser representada na figura 6, que exemplifica as interferências das forças motrizes nos habitats mato-grossenses e nos grupos sociais, provocando os conflitos socioambientais.

Figura 6 -- Driving forces no contexto mato-grossense
Fonte: Jaber, 2012

            No Bioma Pantanal são diversas forças motrizes que impulsionam sua degradação, iniciou-se a fragmentação de grandes áreas de vegetação nativa convertidas principalmente para uso da pecuária e produção agrícola, acarretando na degradação das áreas de preservação permanente (APP), assoreamentos, desmatamentos, queimadas, dentre outras ações impactantes. Recorrendo aos resultados das pesquisas de diversos cientistas publicados no documento - Definição e Classificação das Áreas Úmidas (AUs) Brasileiras: Base Científica para uma Nova Política de Proteção e Manejo Sustentável (JUNK et al, 2012, p.05) as principais forças motrizes que provocam degradações socioambientais no Pantanal são:
(1) Drenagem pela agricultura e pecuária; (2) Construção de áreas habitacionais, de infraestrutura urbana e de uso industrial; (3) Poluição por esgotos e resíduos domésticos, industriais e de mineração; (4) Construção de hidrelétricas, que inundam AUs rio acima da barragem, interrompem a conectividade longitudinal, e mudam o pulso de inundação rio abaixo; (5) Construção de hidrovias; (6) Construção de diques que interferem na conectividade lateral separando as AUs dos rios; (7) Exploração indevida dos recursos naturais (recursos pesqueiros, madeireiros e não madeireiros, e da biodiversidade); (8) Mudanças do clima global.
O povoado de São Pedro de Joselândia, um microcosmo dentro da magnitude pantaneira, reflete bem o cenário provocado por essas driving forces. As narrativas dos moradores entrevistados afirmam que o cercamento das terras comunais, que se intensificou ultimamente, acarretando na expansão de grandes fazendas e até mesmo entre médios e pequenos produtores, convertendo-se o Pantanal em propriedade privada, vem enfraquecendo de forma decisiva a organização familiar na comunidade.
O aumento do consumo exacerbado de carne vermelha no mundo é uma driving force direta que afeta o modo de vida da comunidade de São Pedro. Pois, as terras antes comunais empregadas para manejo de poucos gados utilizados para subsistência, são convertidas em grandes fazendas de gado de corte para atender o mercado interno e externo. De acordo com Meirelles (2009, p.01)
Cerca de 40% da superfície aproveitada do planeta estaria sendo ocupada pela pecuária bovina. No caso do Brasil, a situação é muito mais grave porque dos 800 milhões de hectares do país, aproximadamente 200 milhões já são ocupados pela criação de gado. Para entendermos a dimensão disso, a agricultura não ocupa nem 80 milhões de hectares. Esse é um fato grave, porque a maior parte territorial do país é destinada para a pecuária de corte.
Esse cenário do macrocosmo é refletido no microcosmo pantaneiro investigado. Vale salientar, que contraditoriamente [ou não] a dieta alimentar da comunidade é regada fortemente pela carne bovina (Figura 07). A mesma que tem impulsionado tantos conflitos.

Figura 7: consumo de carne vermelha
Foto: Michelle Jaber

            Ligada a essa questão de disputa pela terra, alguns moradores apontaram a criação da RPPN SESC-PANTANAL como um problema. Segundo as narrativas a criação da RPPN (que englobou quatro grandes fazendas da região) dificultou em alguns pontos a vida da comunidade, dentre eles: muitos perderam a possibilidade de aumentar a renda trabalhando temporariamente nas fazendas e o local para colocar o gado em épocas de cheia (a área da RPPN é mais alta que a área da comunidade).
Vale registrar que alguns dos entrevistados avaliaram a instalação da RPPN Sesc-Pantanal como positiva. Os motivos apontados foram justamente na geração de emprego, mas sobremaneira no apoio a projeto como a produção de mel de abelha na comunidade de Pimenteira ofertado pelo SESC à comunidade.
As relações de gênero se fazem presentes em Joselândia, assim como qualquer outro lugar. Parte das entrevistas deveria responder sobre o histórico de vida da mulher em Joselândia, por isso as entrevistas com as mais idosas foram muito importantes, pois, elas representaram a memória coletiva (BOSI, 2003) da gênese feminina na comunidade, que no pensamento bachelardiano corresponde à “água”, princípio de tudo, da constituição original do conhecimento da vivência no território de Joselândia que é também significativamente imersa nesse elemento boa parte do ano.
Essas mulheres partilham concepções com as comunidades às quais pertencem, nas quais os seres humanos e animais, em correlação com espíritos da natureza e o dito meio ambiente, não estão separados, nem separados da vida social, nem tampouco são reduzidos à condição de suporte, ou se prestam a ser matéria-prima para a vida humana, mas fazem parte desta (TORNQUIST, LISBOA e MONTESYMA, 2010, p.65).

As mulheres ainda exercem suas funções extras na comunidade, como a de rezadeiras, visitas aos doentes e a função importante que é de cozinheira nas festas de santo. A mulher em Joselândia necessita de mais visibilidade tanto na sua atuação política quanto econômica, entretanto todas entrevistadas garantem que aos poucos elas estão conseguindo uma atuação maior, galgando espaços que antes não lhes eram permitido.
Compreendemos que gênero não é sinônimo de mulher e que os estudos necessitam também incluir homens, mulheres e outras identidades sexuais que já não mais se sustentam apenas na dualidade de macho e fêmea, mas que se espreita em múltiplas possiblidades. A ênfase nas mulheres, todavia, busca conhecer não apenas as formas econômicas e o trabalho na labuta cotidiana, mas sua emancipação e sentidos cotidianos que podem sinalizar o aumento das mulheres no mundo das ciências.
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